terça-feira, 18 de setembro de 2012

Milhões da Câmara dos Solicitadores sob suspeita

Agentes de execução acusam a Câmara dos Solicitadores de falta de controlo e fiscalização das contas. O organismo recebe milhões em taxas das execuções de penhoras.
A Câmara dos Solicitadores – organismo que em Portugal controla 50 milhões de euros de verbas provenientes de penhoras – está sob suspeita de má gestão.
Um grupo de agentes de execução – que fazem de intermediários entre os devedores e os credores – acusa o presidente, José Carlos Resende, de ganhar eleições na secretaria, aprovar orçamentos sem qualquer controlo e de ter assinado um protocolo com o BCP, que ninguém conhece ao pormenor, e que terá rendido milhões de euros em subsídios à instituição. A Câmara nega as acusações.
«A situação é preocupante porque o funcionamento da Câmara dos Solicitadores, que é uma associação pública sem fins lucrativos, parece o de uma associação secreta» – denúncia Francisco Duarte, presidente da Associação dos Agentes de Execução (AAE), que foi criada há um ano e representa cerca de 60 dos mil agentes inscritos na Câmara.
«Os agentes de execução e os solicitadores não têm acesso às actas das assembleias-gerais, os orçamentos são aprovados e depois modificados e o organismo não tem sequer um conselho fiscal», adianta. Isto apesar das novas regras para a criação das ordens profissionais assim o preverem.
Pedido de auditoria ao Tribunal de Contas
Francisco Duarte lembra que a Câmara dos Solicitadores recebe do Estado uma permilagem das verbas cobradas com as taxas de justiça em processos cíveis, que será superior a um milhão de euros por ano, além de arrecadar a Taxa de Grandes Litigantes, de receber quotas e exigir aos agentes 10 euros por cada acção executiva para a Caixa de Compensações.
O problema é grave, diz, porque o organismo recusa-se a fornecer informação sobre as contas, mesmo depois de o anterior presidente da Câmara dos Solicitadores ter sido detido por indícios do desvio de um milhão de euros de penhoras. O seu ex-sócio, José Carlos Resende, foi eleito para o seu lugar.
Francisco Duarte avança que vai pedir ao Tribunal de Contas uma auditoria ao organismo: «As contas são apresentadas nas assembleias-gerais, mas as votações são manipuladas porque um terço da classe está dentro da Câmara dos Solicitadores». E denuncia que esta reuniões, que começam com 200 pessoas, acabam com menos de metade a votar – e por vezes recorrendo a procurações onde representam dezenas de associados.
Contactada pelo SOL, Idalina Carreira, vice-presidente da Câmara dos Solicitadores, que renunciou ao cargo em Fevereiro, admitiu: «Há amadorismo na forma como a instituição é gerida, quer na gestão financeira quer no planeamento dos projectos».
No centro das críticas da Associação de Agentes de Execução está também o secretismo que envolve as várias versões do protocolo negociado em 2003 entre a Câmara dos Solicitadores e o Millenium BCP – banco onde têm obrigatoriamente de ser abertas as contas-cliente de cada agente de execução e depositados todos os valores resultantes das penhoras. «Em 2003, foi assinado um protocolo com o BCP, mas desconhecemos o seu conteúdo porque a Câmara recusa-se a divulgar o documento aos associados» – diz o responsável da AAE.
O problema é que o banco já entregou à Câmara «milhões» pelos valores ali depositados. «Uma auditoria às demonstrações financeiras mostra que, só em 2008, o BCP entregou à Câmara mais de 1,3 milhões de euros a título de subsídios de formação», explica Francisco Duarte. «Ninguém sabe a que título são dados os subsídios, onde é que eles são gastos e por que é a Câmara a beneficiar desta espécie de juro do dinheiro dos devedores», acrescenta.
A Câmara dos Solicitadores reconhece receber anualmente subsídios do BCP como contrapartida pelos custos associados à implementação e manutenção do sistema informático utilizado nas execuções.
Francisco Duarte fez uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), para obter os documentos assinados entre a Câmara e o BCP. Acabou por ter resposta a 20 de Julho, depois de a Câmara ter questionado a CADA sobre a legitimidade desse pedido. «Recebi apenas uma minuta do protocolo com o BCP, mas de um protocolo renegociado e assinado a 13 de Julho de 2012, alguns dias antes de a Câmara me responder», explica.
Direcção nega acusações
Ao SOL, a Câmara dos Solicitadores garante que o protocolo foi colocado na página da internet, na área restrita aos sócios. E nega as acusações de falta de transparência.
«O Conselho Geral cumpre as obrigações legais e regulamentares de acesso à informação no relacionamento com os associados», respondeu fonte oficial do organismo, nada adiantando sobre os motivos pelos quais ainda não se realizaram as prometidas auditorias às contas da instituição. Garantiu, contudo, terem-se iniciado auditorias a todas as contas de antigos processos de execução.
O organismo liderado por José Carlos Resende adianta também que, apesar da criação de um conselho fiscal não estar prevista nos estatutos, a actual direcção «solicitou ao Conselho Superior que velasse pela legalidade da actividade da Câmara».
Mas a antiga vice-presidente, Idalina Carreira, desmente ao SOL esta versão: «Enquanto fui dirigente, não testemunhei qualquer acção objectiva do Conselho Superior que se parecesse com uma acção fiscalizadora relativamente às contas dos demais órgãos da Câmara e à pertinência ou sentido de oportunidade das despesas efectuadas».
Desde 2009 que a fiscalização da actividade dos solicitadores cabe à Comissão para a Eficácia das Execuções (CPEE). Mas não houve qualquer fiscalização à própria Câmara dos Solicitadores.
Fonte: O SOL

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