sábado, 25 de julho de 2015

Início da vida na Terra possivelmente explicada por «junção de micróbios»

Início da vida na Terra possivelmente explicada por «junção de micróbios»

Como foi que as pedras, o ar e a água se uniram para formar as primeiras criaturas vivas na Terra primitiva? Por que é que a vida complexa como a dos animais e das plantas surgiu de um só ancestral somente uma vez na História do nosso planeta? Por quê dois sexos e não três, quatro ou 12? E porque envelhecemos e morremos?

No livro «The Vital Question: Energy, Evolution, and the Origins of Complex Life» (A questão vital: energia, evolução e as origens da vida complexa), Nick Lane pretende responder a essas perguntas e muitas mais com um novo conjunto de ideias sobre o aparecimento e a evolução da vida. Bioquímico da University College London, Lane sustenta que com alguns princípios da física, podemos presumir por que a vida é assim – na Terra e no resto do cosmos.

O livro anterior de Lane, «Life Ascending: The Ten Great Inventions of Evolution» (Vida ascendente: as dez grandes invenções da evolução), ganhou o Prémio da Real Sociedade para livros científicos, e novamente ele se mostra um guia capaz num terreno científico traiçoeiro. O autor escreve com prosa lúcida, acessível e, embora a ciência possa tornar-se densa, o leitor será recompensado com uma visão impressionantemente anticonvencional da biologia.

A ideia mais surpreendente de Lane tem a ver com como a vida complexa surgiu. Durante a maior parte da História terrestre, a vida era microbiana: nada de árvores, cogumelos nem mamíferos. Embora os micróbios exibam uma diversidade bioquímica espantosa, vivendo em qualquer coisa, de cimento a ácido de pilhas, nunca evoluíram para se tornar algo mais complicado do que uma única célula.

Então, o que tornou possível o grande florescer da biodiversidade? Partindo de ideias desenvolvidas com o biólogo da evolução William Martin, Lance localiza as origens da vida num acaso bizarro há bilhões anos, quando um micróbio passou a viver dentro de outro. Segundo ele, esse evento não foi uma divisão da árvore evolucionária, mas uma fusão com consequências profundas.

O novo inquilino forneceu energia para o hospedeiro, “pagando” um aluguer químico em troca de habitação segura. Com os rendimentos extra, a célula hospedeira pôde dar-se ao luxo de fazer investimentos em comodidades biológicas mais complexas. A união prosperou, replicou e evoluiu.

Hoje, chamamos a esses micróbios internos de mitocôndria; quase todas as células no nosso organismo têm milhares dessas fábricas energéticas. Lane e Martin argumentam que em função da mitocôndria, células complexas têm quase 200 mil vezes mais energia por gene, abrindo espaço para genomas maiores e evolução irrestrita.

Dentro da célula, a mitocôndria guarda os seus próprios anéis minúsculos de ADN, postos genéticos avançados distintos do centro de comando genético no núcleo da célula.

Embora a relação agora seja de simbiose, no começo o ADN mitocondrial vivia a ser bombardeado pelo genoma nuclear, provocando mutações frequentes. Sob essas condições, assegura Lane, somente a evolução do sexo permitiria à selecção natural manter a função de genes individuais em grandes genomas que sofrem ataques.

Mas porquê dois sexos? O índice de mutação no ADN mitocondrial é elevado, o que pode abalar fatalmente a função celular. O desafio para qualquer organismo é manter baixo esse índice e, com dois sexos, argumenta Lane, nos quais somente um deles passa as mitocôndrias à descendência, o problema é atenuado.

Vemos isso em quase todos os organismos complexos. Por exemplo, os humanos recebem a mitocôndria exclusivamente das mães.

Com a idade, as mutações mitocondriais acumulam-se. Noutro lugar, Lane destacou uma pesquisa que mostra que variantes num único gene mitocondrial reduziram pela metade a perspectiva de ser internado por doenças causadas pela idade em pacientes que as tem, e duplicaram a perspectiva de viver até aos 100 anos. Lane acredita que esse achado poderia levar a progressos médicos se compreendêssemos como proteger o ADN mitocondrial.

«Como podemos esperar compreender a doença se não temos ideias do motivo de as células funcionarem assim?», questiona.

Mas e as origens da vida, antes de existirem células? Lane também tem algo a dizer a esse respeito. Livros didáticos contam que a origem da vida tem raízes na especulação de Darwin de que em algum «lago quente» a matéria inanimada, talvez energizada por um raio de sorte, formou moléculas complexas que acabaram por replicar-se sozinhas.

Isso faz Lane pensar para trás. Segundo ele, a matéria inanimada nunca poderia agrupar-se em moléculas maiores com apenas um raio, da mesma forma que uma pilha de tijolos não poderia montar-se como uma casa durante a tempestade. O aparecimento da vida deve ter sido impulsionado por uma fonte de energia confiável e contínua.

A visão alternativa de Lane origina-se com o geólogo Mike Russell, que décadas atrás propôs que a vida surgiu em formações rochosas elevadas no leito oceânico, onde a agua aquecida e carregada de minerais era cuspida do centro da Terra através de uma rede oca de compartimentos do tamanho de células. Essas rochas continham os ingredientes necessários para a vida começar e, o mais importante, a sua temperatura natural e gradientes de energia favoreciam a formação de moléculas maiores. Ao tirar proveito da energia de uma Terra inquieta, no entender de Lane, uma pilha de tijolos só pode tornar-se numa casa.

Esse cenário gera uma previsão inesperada sobre como os organismos geram energia. Nas células de quase todas as criaturas, incluindo os humanos, os protões estão presos num dos lados de uma membrana. A única saída é com a ajuda de proteína notável, com formato de turbina, a ATP sintase. Os protões caem pela proteína rotatória, convertendo aquela energia num formato útil para a célula, análoga a uma roda de água.

Esse mecanismo bizarro, tão universal quanto o ADN, é totalmente inesperado na ciência. Porém, é baseado nas rochas porosas de Russell, que separam a água pobre em protões do seu interior do oceano rico em protões. A vida tirou proveito dessa dinâmica natural do protão, afirma Lane: os gradientes do protão devem ser uma «propriedade universal da vida no cosmos.»

A ampla perspectiva de Lane, que tenta abordar as origens da vida, sexo e morte, é sedutora e muitas vezes convincente, embora a especulação muitas vezes supere os factos em muitas das passagens do livro. Todavia, talvez para uma teoria biológica de tudo, isso é esperado, e até mesmo bem-vindo.

Ainda não se sabe se a pesquisa irá confirmar Lane, mas as suas muitas previsões, por mais incríveis que pareçam, podem ser testadas e poderiam manter os cientistas ocupados durante anos. Como Sherlock Holmes dizia, «quando se eliminou o impossível, então o que restar, por mais improvável que seja, deve ser a verdade».

Fonte: DD

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