domingo, 2 de abril de 2017

Borboleta descoberta há 22 anos em Portugal só agora tem nome


Apareceu na Lagoa de Santo André. Nunca tinha sido vista na Europa nem se conhece a origem

Já se sabia desde 1995 que era uma nova espécie de borboletas e que havia sido encontrada em Portugal. Agora já tem nome graças aos esforços de uma equipa internacional de cientistas, 22 anos após a sua descoberta. Foi possível estabelecer o seu ADN e dar-lhe um nome, Ekboarmia miniaria, colocando-a na árvore da vida, o modelo científico de evolução biológica. Entra para o borboletário nacional onde já se encontram inscritas 1580 espécies de borboletas, mas é das mais misteriosas: nunca foi encontrada em outro lugar do mundo.

Os investigadores alemães, dinamarqueses e finlandeses que fizeram esta definição colocaram a borboleta na família das mariposas geométricas (Geometridae), vulgarmente conhecido como loopers. A descrição da espécie é publicada na revista Nota Lepidopterologica. Foi em 1995 que o primeiro exemplar, um macho, foi encontrado na Lagoa de Santo André, uma reserva natural. Apresentava uma aparência única e os especialistas não encontraram semelhanças suficientes com qualquer outra espécie europeia. Quando três fêmeas foram finalmente encontradas após uma procura alargada e intensiva em 2009, a equipa de cientistas passou a dispor de provas para resolver o mistério. O que agora foi alcançado.

"A maior parte das pessoas não conhece as espécies de borboletas, e como tal, ainda que as possa observar todos os dias ou mesmo capturar, não necessariamente se apercebe da relevância do achado. Ora com os especialistas às vezes também se passa algo semelhante. Por muito que se estude e se conheçam estes organismos ainda há muito por descobrir e descrever. Assim, ainda que os primeiros exemplares tenham sido recolhidos há 22 anos, foi necessário o seu estudo detalhado e uma metodologia distinta, mais amplamente utilizadas nos últimos anos - as análises do ADN para perceber a relevância do achado", disse ao DN Sónia Oliveira, investigadora do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Universidade do Porto, sediado no Campus de Vairão (Vila do Conde), que participou na identificação de uma anterior nova espécie, descoberta em 2012 na zona de Pombal, a Borkhausenia crimnodes

Entre as duas novas espécies há uma diferença. "Borkhausenia crimnodes é uma espécie descrita há mais de 100 anos na Argentina e que terá chegado recentemente a Portugal - suspeitamos que com a importação de madeira. Ekboarmia miniaria é uma espécie que foi encontrada em Portugal e não é conhecida até há data de outro país", explica Sónia Oliveira.

Nos últimos anos, a identificação de espécies de borboletas em Portugal teve um forte contributo do britânico Martin Corley, o entomólogo que mais tem feito pela classificação, muitas delas existentes há muito mas nunca catalogadas. Estas descobertas recentes inserem-se em casos de origem de outros continentes ou desconhecida. "O motivo mais provável da sua chegada à Europa é mesmo a ação humana. Há no entanto muitas outras espécies de insectos que com as alterações climáticas têm vindo a alargar a sua distribuição para norte, acompanhando de forma natural a subida das temperaturas", diz Sónia Oliveira.

Ernestino Maravalhas, autor do livro "As Borboletas em Portugal", considera ser "normal descobrirem-se novas espécies no sul da Europa, onde o investimento na ciência é reduzido e, por esse motivo, a fauna ainda é mal conhecida". Refere que "há diversas espécies em risco de extinção, ao nível do país, sendo uma das mais emblemáticas a "borboleta-azul-das-turfeiras"". A perda de habitat é uma das principais causas de extinção e "um dos motivos pode ser o dos fogos florestais sistemáticos e o do plantio de monoculturas". Há um projeto de Atlas das Borboletas de Portugal, já "proposto às instituições que gerem a fauna, mas que ainda não teve luz verde".

É uma "ocasião rara"

A identificação desta nova espécie encontrada em Portugal envolveu uma equipa de investigadores de vários países, Alemanha, Dinamarca e Finlândia, que realçam a inédita classificação desta misteriosa borboleta-traça.

"A descoberta de uma macrotraça não descrita e distinta da fauna da Europa é uma ocasião rara, porque a fauna do continente é provavelmente a mais exaustivamente estudada no mundo", explica Peder Skou, da Dinamarca, que desempenhou um papel central na descoberta da espécie, procurando incansavelmente mais material para resolver as questões.

Skou trabalhou com Pasi Sihvonen, do museu finlandês de História Natural, investigador que sublinha que "praticamente não se conhece nada sobre a espécie. Somente 11 espécimes foram encontrados entre 1995 e 2011. Esperamos que a publicação ricamente ilustrada da nova mariposa conduza a novas descobertas sobre esta misteriosa espécie. É necessário obter mais dados.Por exemplo, o seu estado de conservação não pode ser avaliado devido à insuficiência da história de vida".

"As fêmeas descobertas tinham padrões de asa diferentes em comparação com os machos, sugerindo dimorfismo sexual, acrescentando uma outra complexidade na identificação. Esta nova espécie não poderia ter sido classificada com base em apenas fatores externos", explica Dieter Stüning de Zoologisches Forschungsmuseum Alexander Koenig, em Bona, Alemanha.

Em 2015, dois espécimes, um macho e uma fêmea, foram codificados em código de ADN e foram depois sujeitos a exames morfológicos detalhados. Os dados de ADN desempenharam um papel essencial na demonstração de que o macho e a fêmea pertencem à mesma espécie, ao passo que as estruturas morfológicas forneceram evidência inequívoca para colocar a traça misteriosa no género geométrico Ekboarmia. A mariposa minúscula é a menor do género cujas outras espécies são externamente dissimilares.

Fonte: DN

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