terça-feira, 4 de julho de 2017

Quando o ruído não deixa ouvir o céu


O avanço da chamada Internet das coisas ameaça lotar as frequências de rádio. E isso é um problema para os astrónomos à escuta das estrelas – e de possíveis sinais de vida extraterrestre.

Ontem, eram apenas os telemóveis, os tablets e os computadores. Amanhã, serão cada vez mais os automóveis, as roupas que usamos, as casas e as cidades em que vivemos. O número de objectos conectados entre si e à Internet cresce com tal velocidade que são já mais do que o número de habitantes do planeta. 

No entanto, algo permanece inalterado: o espectro das ondas de rádio através das quais estes objectos falam entre si, um espaço já saturado pelas operadoras de telemóvel, as emissões de rádio e televisão, os sistemas de navegação aérea e naval e as actividades militares e científicas, entre outras.

Cada uma destas tecnologias usa uma banda de rádio que não deve ser utilizada por outra ao mesmo tempo. Mas falamos de um espaço tão reduzido, povoado e precioso que, como a Wired refere a título de exemplo num artigo esta semana, as operadoras móveis norte-americanas pagaram este ano 16 mil milhões de euros para ocupar uma banda anteriormente utilizada pelas cadeias de televisão (em Portugal, a alocação das faixas de radiofrequência é competência da ANACOM).

A imagem é de uma auto-estrada com três faixas em cada sentido onde não só o número de automóveis não pára de aumentar, como é ainda necessário reservar uma ou duas vias para um veículo especial. 

O mais excepcional desses veículos é a radioastronomia. Numa frequência específica próxima dos 1420 megahertz, por exemplo, capta-se a radiação electromagnética de átomos de hidrogénio, a partir da qual os cientistas estudam a massa e a dinâmica de galáxias distantes. Questões sobre a origem do universo ou a existência de vida extraterrestre podem ser respondidas com radiotelescópios apontados para o céu. Mas para escutar as respostas, é preciso que mais ninguém faça ruído nesses canais.

Apesar de haver bandas reservadas à radioastronomia, nada impede que os cientistas sejam importunados por objectos a transmitir acidentalmente na mesma frequência. O número crescente de gadgets vem multiplicar o risco. Ao mesmo tempo, o avanço da tecnologia civil e militar ameaça ainda ocupar frequências até aqui ao alcance dos instrumentos científicos mais avançados. Nesse momento, tornar-se-á mais difícil distinguir a radiação de uma estrela distante do sinal de um drone a sobrevoar o Afeganistão. Projectos internacionais de radioastronomia como o Square Kilometre Array na Austrália e África do Sul ou o ALMA no Chile, avaliados em muitos milhares de milhões de euros e desenvolvidos em zonas remotas para evitar interferências (e aproveitando também condições atmosféricas especiais), podem ser prejudicados.

À Wired, a astrónoma Liese van Zee, a nova presidente do comité de radiofrequências da Academia de Ciências dos EUA, afirma que os cientistas estão mais interessados em colaborar com as empresas do que em proibi-las de desenvolver produtos. Mais difícil é a relação com os militares. A revista norte-americana nota a oposição do Pentágono ao actual sistema de bandas fixadas pelos reguladores, propondo um modelo mais flexível, em que cada aparelho e serviço transmite em qualquer frequência, conforme o local e a necessidade. Os críticos da proposta alertam que tal representaria o fim de valores de referência que permitem hoje distinguir entre um sinal vindo do espaço e outro de um telemóvel.

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