sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Manipular o clima já não é ficção. Mas a realidade pede (muita) prudência


As novas soluções para manipular o clima têm um alcance global nunca visto, de consequências tão imprevisíveis, que a maioria dos cientistas nem as quer testar. “Isto pode provocar guerras”, diz um climatologista

Há muito que a dança da chuva dos povos indígenas deixou de ser a esperança da Humanidade para mandar vir água dos céus. Rezas e procissões, que no ano passado se viram em Portugal numa tentativa de acabar com a seca, também já passaram de moda. Persistem os canhões de granizo e a inseminação de nuvens, técnicas introduzidas há várias décadas para impedir a queda de gelo e provocar a chuva, embora de eficácia duvidosa aos olhos de boa parte da comunidade científica. São as soluções em estudo para manipular o estado do tempo que parecem apresentar, enfim, o potencial de influenciar o clima à escala planetária, de tal modo que só uma minoria de cientistas se atreve a dar a cara por elas.

“São atrativas na teoria, mas podem ser muito perigosas na prática”, sustenta o climatologista Carlos da Câmara, sobre as propostas de geoengenharia para controlar os humores de São Pedro. A mais controversa envolve o aumento da capacidade de refletir a luz solar, de forma a reter menos calor e assim arrefecer a temperatura da Terra. Sugestões tão mirabolantes como cobrir desertos de plástico, remexer a água do mar para formar camadas de espuma branca ou posicionar espelhos gigantes no Espaço parecem impossíveis de concretizar, mas existem alternativas mais acessíveis para devolver raios de Sol ao Universo.

A principal passa por lançar na estratoesfera dióxido de enxofre (SO2), criando uma espécie de véu protetor, a muitos quilómetros da superfície terrestre, semelhante ao das erupções vulcânicas. A ideia, aliás, surgiu a partir de evidências científicas que demonstraram que as partículas expelidas pelos vulcões podem resultar, no ano seguinte, no arrefecimento da temperatura em um grau. Tem a vantagem de ser uma medida economicamente viável, mas encontra forte resistência devido aos efeitos, totalmente imprevisíveis, que pode gerar no clima, a nível global. Em abril, 12 cientistas assinaram um texto na revista Nature a reclamar prudência nas experiências.

“Imagine-se que ocorre uma seca brutal na Península Ibérica ou na Índia, em época de monções, das quais dependem milhões de pessoas para sobreviver. Ninguém saberia ao certo se era um fenómeno natural ou consequência da geoengenharia”, ilustra o climatologista Ricardo Trigo, aflorando outro foco da polémica: “Isto pode provocar guerras. Quem seria o político que assumiria uma responsabilidade deste alcance? Nem Trump se mete nisso.”

Financiado por Bill Gates e outros bilionários americanos, o projeto Scopex tem previsto para este ano um teste de pequena escala desta tecnologia. David Keith, professor de Física Aplicada em Harvard, lidera a investigação, que ganha força perante a necessidade, saída do Acordo de Paris, de não deixar o termómetro subir mais do que dois graus até ao final deste século (sendo que já subiu um). O problema é que nenhum teste de pequena escala conseguirá antecipar o impacto real da geoengenharia solar, a ponto de estarem proibidos à luz da Convenção sobre a Diversidade Biológica – que os Estados Unidos da América não assinaram.

Outra hipótese de alcance global para mexer com o clima passa por capturar dióxido de carbono da atmosfera. Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, considera esta alternativa menos arriscada, no sentido em que “vai à raiz do problema”: a excessiva concentração de gases com efeito de estufa. A falta de valor económico do CO2, porém, dificulta a aposta na solução. “Nos Estados Unidos da América e na Europa já há centrais térmicas a carvão que capturam o dióxido de carbono dos gases que saem da combustão. Só não há mais porque a eletricidade fica mais cara para o consumidor”, argumenta o presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, acrescentando que a escolha se faz entre duas opções: “Ou se investe para resolver o problema de gerações futuras ou então quem vier a seguir que pague a fatura.”

GUERRA DE CHUVA

O controlo do clima é uma ambição que as grandes potências perseguem em várias frentes. Na Guerra do Vietname (1955-1975), os Estados Unidos da América agravaram as chuvas das monções do lado do inimigo, através da técnica de inseminação de nuvens, ainda hoje a mais popular. O objetivo da operação Popeye, como lhe chamou o exército americano, era enlamear os caminhos para dificultar o abastecimento aos soldados vietnamitas, a partir dos territórios vizinhos do Laos e do Camboja.

Fazer da manipulação do clima uma arma de guerra foi, entretanto, proibido pela Convenção de Genebra, no final dos anos 70, mas lançar iodeto de prata na atmosfera é hoje uma prática corrente em muitos países, para fins bem mais pacíficos. A China tem vindo a desenvolver um sistema para fazer chover em zonas mais áridas e, em vez de recorrer a aviões para soltar os químicos, instalou centenas de câmaras de combustão no Tibete, capazes de gerar iodeto de prata e o libertar na direção das nuvens.

Durante os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, os chineses já tinham montado uma gigantesca operação para evitar que a chuva desabasse sobre as competições, com satélites para identificar nuvens num raio de quase 50 mil quilómetros quadrados. O plano tinha duas alternativas: ou provocavam a chuva longe do recinto ou dissipavam as nuvens com outros produtos químicos, como se acredita que os soviéticos já tinham feito nas Olimpíadas de Moscovo, em 1980.

Apesar de ser já longo, o caminho para manipular a meteorologia, apoiado nas inovações tecnológicas, ainda tem muito para andar.

RUI ANTUNES

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