Nasceu da ameaça nazi, foi um dos palcos da Guerra Fria, peça da diplomacia de Salazar e marcou a história recente do Médio Oriente. A presença norte-americana nas Lajes, por estes dias sob discussão, tem implicações bem para lá do arquipélago.
Se Portugal foi poupado à II Guerra Mundial, foi por pouco. Alemães, britânicos e norte-americanos ponderaram seriamente invadir os Açores perante a ambiguidade de um Estado Novo oficialmente neutro. Acabou por ser Londres a invocar a Aliança Inglesa e pedir licença para se instalar no estratégico arquipélago em 1943 – a bem.
Salazar aceitou o inquilino a troco de tolerância em relação ao colonialismo luso e acabaria por pedir o mesmo aos EUA, que lá se instalaram à boleia dos ingleses e sem convite português. O historial das negociações é relatado no livro Lisboa, os Açores e a América, de José Filipe Pinto.
Desse namoro nasceria a presença norte-americana na Terceira, transformada num pilar de uma gigantesca ponte aérea militar durante a II Guerra. Depois da vitória sobre o Eixo, as Lajes começaram a ser vistas como uma peça fulcral na defesa de Washington contra a ameaça comunista logo em 1946, após a retirada britânica.
Sala de reuniões nuclear
O anticomunismo de Lisboa permitiu o novo papel, mas a utilização das Lajes para outros teatros de guerra, como a do Yom Kippur entre Israel e o mundo árabe, em 1973, levantou maiores reservas. Na altura, os EUA emitiram um ultimato, com o Presidente Richard Nixon a dizer a Marcello Caetano que «os EUA seriam forçados a tomar medidas que não deixariam de lesar a nossa amizade» caso fosse impedido o auxílio a Telavive. Foi preservada a amizade que, em 1971, levara Nixon a receber na ilha o homólogo francês Georges Pompidou.
Seria no entanto a Guerra Fria a agarrar os norte-americanos aos Açores e envolver o arquipélago na ameaça nuclear global. A possível presença ou passagem de armas atómicas pelas Lajes é debatida há décadas. O livro Portugal Classificado do jornalista Nuno Simas cita dados que reforçam a tese, como o acidente em 1957, ao largo dos EUA, de um avião que transportava armas nucleares rumo aos Açores, ou a rota da patrulha aérea de bombardeiros nucleares Chrome Dome, que por ali voaram.
Nos anos 90, e segundo o jornalista Armando Mendes, correu um processo judicial movido por militares que terão sido vítimas de radiação. Mais recentemente, a Universidade dos Açores identificou vestígios de urânio na ilha.
As Lajes sobreviveram ao 25 de Abril a troco de contribuições milionárias de Washington para a nova região autónoma e também resistiriam à queda do Muro de Berlim – continuaram a ser ponto de trânsito norte-americano durante as guerras do Golfo e dos Balcãs.
A 16 de Março de 2003, George W. Bush reuniu ali de emergência com Tony Blair, José Maria Aznar e Durão Barroso para dar um ultimato de 24 horas a Saddam Hussein para abandonar um suposto arsenal de destruição maciça que – soube-se uma guerra e milhares de mortos depois – já não existia.
Outro capítulo polémico das Lajes é o da provável utilização como escala dos chamados voos da CIA. No pós-11 de Setembro, os EUA montaram um sistema de detenções extrajudiciais de suspeitos de terrorismo, posteriormente transportados entre prisões secretas e terras de ninguém jurídicas como Guantánamo. Segundo a imprensa, ONGs e Parlamento Europeu, a operação passou por ali. Em Portugal, diz a eurodeputada Ana Gomes, as investigações foram travadas por pressão política.
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