domingo, 30 de julho de 2017

Portugueses descobrem 95 potenciais analgésicos em droga mortal


Descoberta vai ser capa de revista científica internacional. Alguns destes compostos eram desconhecidos até agora. Equipa de investigadores do Porto já tinha criado o único teste que existe para detetar o krokodil no sangue

Chama-se krokodil e é uma das drogas de rua mais destrutivas que se conhece porque leva à morte dos tecidos e até mesmo à amputação de membros. Mas em algo tão letal uma equipa de investigadores da Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU) e da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto conseguiu encontrar 95 substâncias que podem vir a resultar em novos medicamentos para o tratamento de dores severas, seja em doentes queimados, oncológicos, politraumatizados e em cuidados paliativos. São 95 substâncias com potencial analgésico, estruturas próximas da morfina.

Há quatro anos que os investigadores analisam esta droga. Primeiro descobriram o único teste até ao momento que permite detetar a droga na urina e no sangue. Agora voltam a publicar um artigo com outra descoberta que irá valer-lhes a capa de uma revista científica internacional em toxicologia e química medicinal: as 95 substâncias com potencial analgésico.

Esta é uma droga sintética de fabrico caseiro que surgiu na Rússia há cerca de uma década. Em Portugal o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) tem registo de apenas um caso de consumo. "Foi inventada pelos próprios consumidores que procuravam uma alternativa à heroína. Chama-se assim pelo aspeto enegrecido e necrosado que provoca nas pessoas que a injetam. Pode levar à amputação dos membros. É feita a partir de uma mistura de vários produtos como de limpeza de canalizações, gasolina, tintura de iodo, fósforo e comprimidos para a tosse à base de codeína. Tem um pH muito ácido, é uma droga tão cáustica que causa necrose e morte dos tecidos", explica ao DN Ricardo Dinis-Oliveira, investigador de ciências biomédicas e forenses na CESPU e um dos responsáveis da equipa de investigação.

Foi isso que levou à segunda fase da investigação: como é que alguém consegue injetar uma coisa que corrói os tecidos e não sente dor e ao mesmo tempo prazer? "Da análise, por técnicas cromatográficas complexas, percebemos que o krokodil tem centenas de substâncias. Destas, 95 são análogas da morfina, além da própria que pela primeira vez descrevemos como estando presente nesta droga", diz, adiantando que é isso que pode explicar o facto de os consumidores não sentirem dor.

"O que é também interessante é que vários desses compostos semelhantes à morfina são até à data compostos totalmente desconhecidos, mas de grande potencialidade terapêutica, dado o poder analgésico desta droga. Os toxicodependentes e simultaneamente produtores do krokodil poderão ter oferecido, mesmo que de forma totalmente casual, um arsenal terapêutico da dor até à data verdadeiramente incomparável", destaca.

Foram estes resultados que foram aceites para publicação na revista científica internacional Chemical Research in Toxicology da Academia Americana de Química e cujo resumo já está disponível no site. O artigo será agora publicado de forma completa na edição de agosto e será capa da revista, o que, salienta o investigador, mostra "a importância dada à descoberta". "Estes resultados científicos podem revolucionar o conhecimento que se tem do tratamento da dor, aumentando assim as alternativas para que os médicos melhor controlem este sintoma. Sobretudo no tratamento da dor severa. Por exemplo na dor do enfarte agudo do miocárdio, doentes em cuidados paliativos no contexto de um cancro/neoplasia terminal, politraumatizados, queimados, adjuvantes ou pós-cirurgia pelos mais diversos motivos e das múltiplas especialidades médicas e do edema pulmonar agudo", exemplifica Ricardo Dinis-Oliveira.

A terceira fase da investigação, que levará pelo menos quatro a cinco anos, arranca em setembro e já tem garantido o financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia no valor de 240 mil euros. Será a produção das 95 substâncias agora limpas de todas as impurezas e as potenciais combinações que poderão ser feitas e que possam resultar em potenciais novos analgésicos que no futuro sejam alternativas de tratamento quando os que já existem deixam de ser uma solução para os doentes. Um trabalho para muitos anos. "O trabalho que temos pela frente é enorme. Há potencial para termos diversos novos medicamentos, diversas conjugações entre eles", assume.

Fonte: DN

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