terça-feira, 5 de outubro de 2010

HISTÓRIA DA AVIAÇÃO NOS AÇORES EFEMÉRIDES AÇORES 1919 – 1940

Com o acentuado progresso que a aviação atingiu durante a 1." Guerra Mundial, logo após a assinatura do armistício em 1918, a França, a Alemanha, a Itália, a Inglaterra e mais tarde os Estados Unidos procuraram desenvolver as suas indústrias aeronáuticas e simultaneamente explorar o avião como meio de transporte.

O aperfeiçoamento dos aviões e a busca de pontos estratégicos para encurtar distâncias foram as providências preliminares tomadas pelos países empenhados nesse audacioso empreendimento.

O Arquipélago dos Açores, situado a meio do Atlântico, entre o Velho e o Novo Mundo, apresentava-se como ponto ideal para apoio dos Aviões saídos da Europa ou que a ela demandavam.

A aventura que foi a aviação em luta com este imenso Oceano em que nos situamos, é impossível descrevê-la em tão poucas linhas. Optamos, por isso, pelas efemérides de relevo, tendo como fulcro o Arquipélago, no período compreendido entre 1919, ano em que se efectuou o primeiro voo transatlântico bem sucedido e Junho de 1941, data da chegada das Esquadrilhas de Caça Gladiador aos Açores.

Na fase dos grandes raides aéreos, entre outros feitos que tiveram por palco os Açores, a história leva-nos a rememorar os seguintes:

- 17 de Maio de 1919, três Hidroaviões Curtis Flyer chegaram aos Açores. O NC-1, NC-3 e NC-4 voaram em formação assistidos na navegação por Navios de Guerra Norte Americanos que chegaram a atingir o número de 119 entre os EUA e o Faial, em trânsito de Rochway, Nova Iorque para Inglaterra. Eram comandados pelo Capitão-Tenente Read da Armada dos EUA.

- Fevereiro de 1921, a companhia Napier anuncia em Londres a construção de um motor de 1000 HP com um alcance superior a 1000 quilómetros. Equipararia um avião em 24 horas, ligaria Londres a Nova Iorque com escala nos Açores.

- Outubro de 1921, uma companhia francesa propõe ao Governo Português o estabelecimento duma carreira entre o Continente, os Açores e Madeira. Em Setembro do ano seguinte a firma Buzaglos, Santos Morais, Limitada, de Lisboa, requer ao Governo a concessão para explorar uma linha de características idênticas.

- Junho de 1922, o famoso inventor italiano Gugliciano Marconi escala o Arquipélago e pronuncia-se a favor da ligação das Ilhas "por aparelhos de telefonia sem fios modernos».

- 13 de Outubro de 1924, sobrevoou Angra do Heroísmo o dirigível LZ 126, R3, que largara da margem do Lago Constança no dia anterior. Equipado com cinco motores Mayybach de 200 cavalos cada, com 200 metros de comprimento, 28 metros de diâmetro, 70 000 metros cúbicos de volume para gás, podia manter-se em voo durante 130 horas e voar a 62 milhas hora. Tinha capacidade para 30 tripulantes e 80 passageiros. Chegou a Nova Iorque cobrindo 5000 milhas em 81 horas.

- 17 de Outubro de 1925, "os Açorianos residentes na América do Norte ... » oferecem um Avião "à Aviação Portuguesa» com a condição desse aparelho ser utilizado na primeira viagem Aérea aos Açores, tripulado por oficiais aviadores Açorianos.

- 9 de Maio de 1926, chega a Ponta Delgada o Hidroavião Fokker, tripulado pelos Tenentes da Armada Moreira Campos e Neves Ferreira, mecânico João Bastos. O «Fokker» deslocou de Lisboa a 20 de Abril de 1926, rumo ao Funchal, devendo chegar a Ponta Delgada a 21. No entanto, devido a avarias, foi obrigado a amarar nas proximidades de Porto Santo. A 23 de Abril chega ao Funchal pelos seus próprios meios. Chegou a Ponta Delgada a 9 de Maio, depois de ter descolado da Madeira no mesmo dia. Foi a primeira ligação aérea Nacional Lisboa – Açores.

- 22 de Maio de 1927, amarou sem combustível a Noroeste das Flores, sendo rebocado por um navio Italiano para a Horta, o «Santa Maria», tripulado pelos italianos de Pinedo, Carlo dei Prete e Victale Zachette, todos pertencentes à Força Aérea Italiana. Reabastecido voa para as Flores como programado. A 10 de Junho de 1927, ruma a Ponta Delgada e no dia seguinte chega a Lisboa. O objectivo do voo: reconhecimento da travessia do Atlântico Sul e ligação Roma - Rio da Janeiro.

- Julho de 1927, o Comandante Byrd despenha-se nas proximidades do Continente Europeu. Salvo, Paris acolhe-o como herói.

- Outubro de 1927, os Faialenses recebem festivamente na Horta o Junker 0-1230 que contava entre os seus tripulantes com a actriz Austríaca Lilli Oilenz e dias depois igual acolhimento é dispensado aos 3 ocupantes do Heinkel 1220, também com rumo às costas ocidentais do Atlântico. Em 13 de mesmo mês, foi o susto: ao descolar o Heinkel «afocinhou» e afundou-se logo de seguida. Os tripulantes salvaram-se.

Outros desastres houve e a segurança é posta em relevo:

- Técnicos Franceses de Aeronáutica, em relação ao desastre de Byrd, dadas as grandes distâncias que separam os Continentes, sugerem escalas na Islândia, Açores e Terra Nova.
- Os EUA proíbem o Aviador Francês Fonck de se fazer acompanhar no voo Nova Iorque/Paris que realizou em 28 horas.

- Nos Açores, conclui-se também que, devido ao «haule» (onda larga) o Canal entre S. Jorge e Pico é perigoso.

Fala-se na Baía da Praia da Vitória e põe-se a questão da TSF nas Faleiras que, melhorada, oferecerá boas condições.

- 12 de Outubro de 1927, amarou a Oeste da Terceira um monomotor tripulado pela americana Ruth Elder, e o seu compatriota Holdman. Missão:

travessia Nova Iorque/Paris. Gastaram 35 horas entre Nova Iorque e a Terceira.

Entretanto vários sucessos e desastres tomam lugar.

Mas, há já quase uma dezena de anos que os Açorianos sabem da importância do Arquipélago e embora sem sucesso são frequentes os esforços que vêm desenvolvendo no sentido da sua promoção. Não causa admiração que, em 18 de Julho de 1929, se escreva no Jornal Vespertino «A União» sob o título: «No interesse da Nossa Terra»: « ... Basta por isso um campo provisório e esse será indicado com aprovação dos nossos aviadores ... ». «E um momento único que se oferece à nossa terra de marcar o seu lugar na questão da aviação ... »

Na realidade o estado de coisas que se vivia não podia continuar. No mês seguinte anuncia-se que a Junta Geral vai iniciar por si as obras de terraplanagem «em faixa de terreno nos baldios dos Burratens, junta à Estrada da Achada» conforme planos há muito existentes.

De facto, o tempo urgia e para além da ligação Açores/Continente o inimigo não era só a falta de campos. Embora os dirigíveis parecessem ter o futuro assegurado e entre os hidroaviões e os «aviões com rodas», ainda muito houvesse que decidir, outras questões se levantavam, tanto mais que num descompasso rítmico de vários ramos da ciência, a fragilidade e pouca autonomia dos aviões tinha já levado ao início da construção de oceanódromos nos Estados Unidos e estas ilhas artificiais entre as costas do Oceano seriam um primor de apetrechamento.

Os reparos, sugestões, não se fazem esperar. Em Lisboa, num artigo de 30 de Julho de 1929, um Açoriano «FB» em o Século, defendendo a construção da pista da Terceira diz: «Por todos os motivos, de lamentar que se não tenha dado execução ... quase a seguir são dois desastres de aviação estrangeiros, sem que no Arquipélago houvesse os serviços de aviação necessários ou para os evitar». «Tenhamos por assente que o futuro da Ilha Terceira está na Aviação.»

Num local da Imprensa Terceirense, em que está em causa a TSF das Faleiras: «uma vez fornecidos os simples pedaços de ebonite de que a Estação carece, esta não fica ainda apta a comunicar com facilidade, com toda e qualquer aeronave que demande os Açores.

Do mesmo jornal, no mesmo período, a propósito da dimensão que terá o Campo da Achada: « ... resultaria contraproducente dizer-se que se tinha um campo que afinal não podia dar entrada e saída» a todo o tipo de aviões.

Ainda antes de se saber do insucesso do avião suíço, também Gago Coutinho se debruçava sobre o assunto em entrevista ao Diário de Lisboa: «Os Açores de dia, acham-se sempre. Se não se encontra uma Ilha, encontra-se outra ... daí por diante é que é a parte difícil».

- 14 de Setembro de 1929, desembarcou em Angra do Heroísmo o tenente Coronel Cifka Duarte para «in loco» se inteirar do curso dos trabalhos da Achada.

- 16 de Setembro de 1930, chegou a bordo do vapor Lima o Capitão Frederico de Meio. Missão: efectuar o primeiro voo a partir duma pista terrestre do Arquipélago.

Campo da Achada

Reconhecida a necessidade imperiosa da construção de um campo de aviação na Ilha Terceira, a Comissão Administrativa da Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo, presidida pelo Dr. Manuel de Sousa Menezes, seguindo o parecer do Inspector da Aeronáutica, Tenente-Coronel Cifka Duarte, escolheu um terreno situado nas pastagens a nascente do lugar dos Burraténs.

Nesse sentido, a Comissão Administrativa, na sua sessão ordinária de 8 de Agosto de 1929, deliberou o dispêndio da quantia de 50 contos, tendo-se iniciado quase de imediato as negociações entre a Junta Geral e o procurador do proprietário dos terrenos, assentando-se no quantitativo da sua aquisição.

Entretanto, o campo começava a nascer. Com a participação de trabalhadores da Junta Geral, de muitos assalariados e praças do Regimento de Infantaria 22, cedidos pelo Governador Militar dos Açores, o rectângulo da pista, com 600 metros de comprimento por 70 de largura, surgia lentamente, paralelo à estrada nacional.

A 7 de Agosto de 1929, o jornal micaelense «Diário dos Açores» no seu editorial, dá especial relevo a este empreendimento, vincando o facto de a Ilha Terceira prescindir de tutela estranha "olhos fitos no futuro", sem recorrer a auxílio estrangeiro.

Cerca de um ano mais tarde, a 16 de Setembro de 1930, desembarca do vapor "Lima", o Capitão Piloto Aviador Frederico Coelho de Meio, natural da freguesia dos Altares, nesta mesma ilha. Ao distinto aviador que ao tempo exercia as funções de professor da Escola de Aviação Militar, foram-lhe dispensadas as mais entusiásticas manifestações de apreço e amizade.

Finalmente, a 4 de Outubro de 1930, foi inaugurado solenemente o Campo da Achada. O povo que ocorreu ao local desde o alvorecer, utilizou todos os meios ao dispor para ali se deslocar, tendo-se aglomerado em torno do "Hangar", construído à direita da estrada, na margem do campo.

Pelo meio-dia, o Prelado Diocesano dirigiu-se junto do Avro e acompanhado pelo Vigário Geral e pelo Mestre de Cerimónias, na presença do Capitão Piloto Frederico de Meio, das autoridades civis e militares, procedeu à bênção do campo e do aparelho.

O avião utilizado, um mono motor o Avro, biplano, que viera juntamente com o piloto, recebeu na ocasião o nome de "Açor" tendo-se tornado no primeiro aparelho a descolar do solo terceirense.

No ar o "Açor" traçou algumas evoluções acrobáticas, para deslumbramento geral dos presentes. Seguidamente sobrevoou a Ilha lançando panfletos contendo uma mensagem alusiva ao acto.

Contudo, alguns anos depois, o Campo da Achada, era, já, considerado obsoleto quer pelas suas exíguas dimensões quer pelos intensos nevoeiros que cobriam frequentemente a região.

Hoje, volvidos cinquenta e um anos, quem passar na estrada rumo ao Aeródromo das Lajes jamais se aperceberá que naquelas pastagens verdes se iniciou a história da Aviação "terrestre" nos Açores.

Se de 1929 para 1930 o número de passageiros transportados nas linhas aéreas internacionais já existentes tinha triplicado a quilometragem, se o número de aeroportos era superior em 18 por cento e havia mais de 60 por cento de pilotos, podia dizer-se que para tal tinham concorrido também os Açorianos. Mas até 10 anos depois, malgrado os esforços do Major José Agostinho e de tantos outros interessados que fazem conferências e dão entrevistas relacionadas com a aviação do arquipélago, nada se produziu e a Achada acabou no esquecimento. Volta a ser referida como de grande utilidade, quando em 1941 é designada Campo de Recurso da Esquadrilha de Caça nº 2 da Aeronáutica Militar. Em abono da verdade, tornou-se evidente que a Achada tinha certas limitações de ordem técnica. No entanto, chega-se a 1939 sem dar corpo a uma alternativa. Entretanto, alguns acontecimentos:

Março de 1931

- Completamento dos cadernos de encargos para o estabelecimento de Linhas Aéreas Continente/Madeira/ /Açores.

- O Correio dos Açores, em entrevista em Lisboa, ao Administrador Geral dos Correios e Telégrafos: Urgente efectuar melhoramentos na Estação TSF das Faleiras.

Setembro de 1932

- A Companhia Portuguesa de Aviação solicita conhecimento da data em que o Governo enviará aos Açores uma Comissão para Estudos do novo Aeroporto.

Julho de 1934

- Carlos Bleck, numa conferência na Sociedade de Geografia, invoca a (atenção dos altos poderes do Estado» ... para a situação dos Açores.

Portugal não pode perder a oportunidade no que respeita à ligação Europa - América, passando pelos Açores, para Norte, e por Cabo Verde, para sul. E informa que naquele preciso momento um aviador Português acompanha uma missão Italiana que efectua estudos em Cabo Verde.

- Entretanto, por incumbência do Ministro da Guerra, o Comandante Militar dos Açores, Coronel Gomes da Silva inicia o estudo em que indica a planície das Lajes como o local para a construção dum aeroporto.


Dezembro de 1935

- O Comandante Nommy, após a visita de uma missão Francesa para estudar as condições do Arquipélago para futuras linhas aéreas Europa - América diz que a questão levanta «problemas delicados» embora os Açores sejam um posto de escala do mais alto interesse.

Janeiro de 1938

- O «Evening Standard» destaca a importância dos Açores e diz que Portugal está a ser cortejado por diversas potências. Remata acrescentando que, à margem deste desenvolvimento surgirão problemas que dizem respeito a todas as potências com interesse no litoral do Mediterrâneo ou Atlântico.

Março de 1938

- A propósito duma visita duma Missão Militar Britânica a Portugal, a revista militar «United Service Reeview» afirmava que «se os Açores estivessem em nosso poder ou estivessem à nossa livre disposição, mediante um acordo com a nossa velha aliada, tirar-nos-iam grandes embaraços».

Junho de 1938

- A Luftansa é autorizada a efectuar 14 voos de experiência na carreira Lisboa/Açores/América do Norte.

A Air France, com a condição de escalar Lisboa e a Madeira é autorizada a utilizar os Açores nos seus voos para a América do Norte.

Janeiro de 1939

- Encontram-se nos Açores técnicos para estudos de carreiras técnicas da Pan – América e da Imperial Airrways.

Maio de 1939

- «Deve ter-se em vista que a ligação aérea dos Açores com o Continente, que vai iniciar-se, deve persistir mesmo quando os progressos da aviação venham de futuro a dispensar a escala dos Açores na ligação entre a Europa e a América, e que não se pode afirmar que venha a acontecer». Escreve um articulista na secção insular do Diário de Notícias que, mais à frente, diz também: (futuramente) «o avião de rodas será o mais apropriado para a grande travessia". em tal caso ter-se-ia de voltar à questão do Campo de Aviação das Lajes, agora já desimpedido das dificuldades que não consentiram que fosse levado por diante. Sendo compreensíveis as razões que não aconselham a que fosse feita a estrangeiros, a concessão dessa construção, impõe-se ao Estado Português levá-la por diante».

Abril de 1940

- O Piloto Francês Henri Guillauumet, declara ao Diário de Lisboa, a propósito das Lajes: «Os Açores serão sempre a placa giratória do Atlântico Norte". o Aeródromo da Terceira seria o ideal, a escala segura», reflecte uma opinião já generalizada.

É fácil reconhecer ter sido o Arquipélago dos Açores, palco de grandes feitos aviatórios nas décadas de 19199-1940, como foi durante a 2." Grande Guerra Mundial, e como está sendo na era espacial, através da importância estratégica da Base Aérea das Lajes, ainda hoje, um baluarte do Ocidente, a reverenciar a memória das gerações pretéritas e dos pioneiros da aviação que dedicaram ou sacrificaram as suas Vidas em benefício do desenvolvimento avia tório e através dele lançando um desafio à capacidade e ao entendimento estratégico nacional.

Fonte: Revista Ecos do Atlântico - Força Aérea Portuguesa

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...