sexta-feira, 4 de março de 2011

Wikileaks à Portuguesa

As opiniões americanas sobre Portugal.
28.02.2011



O jornal português «EXPRESSO» publicou neste final de semana online, cinco telegramas emitidos pela embaixada norte-americana em Lisboa, em que se tecem considerações sobre as forças armadas portuguesas e o ministério da defesa daquele país europeu.
A publicação dos telegramas decorre da divulgação de informações confidenciais pelo site «Wikileaks», que toenou públicos milhares de documentos diplomáticos confidencias.
A maioria dos documentos versa sobre opiniões das embaixadas e trata do que normalmente é conhecido como «conversa de comadre». Este tipo de informação não oficial, é normalmente utilizado pelas embaixadas e pelos ministérios quanto é necessário tomar decisões sobre alguma matéria. Não constituem uma posição oficial de um país, mas são importantes para entender que tipo de informação as embaixadas – no caso norte-americanas – passam entre si e para as agências governamentais americanas sobre os países em que estão instaladas.
O primeiro dos telegramas é datado de 05 de Março de 2009 tem como título «O que está errado no ministério da defesa português».
É dirigido à secretaria de estado (equivalente ao ministério das relações exteriores / negócios estrangeiros), à secretaria de defesa (min. da defesa) e directamente ao gabinete de Robert Gates, à CIA, ao NSC (Conselho Nacional de Segurança) e também às embaixadas norte-americanas em todos os países de expressão portuguesa (Guiné Bissau e São Tomé, representadas pelas embaixadas em Dakar e Libreville).
A informação disponibilizada, começa com um relatório em que a embaixada americana refere a ditadura de «Alberto Salazar»[1] e o seu fim em 1974 como estando na origem de um processo de segregação em que as forças armadas se separaram do poder político e mesmo do próprio ministério da defesa.
O telegrama prossegue, ao afirmar que uma efeito secundário é a profusão de oficiais que apenas ficam nos postos à espera que passe o tempo para a promoção, havendo preferência por quem se cala e não se dando qualquer valor aos que pretendem discutir os problemas e apresentar soluções. Os portugueses premeiam o desleixo [2].
Os americanos ficam perplexos, quando até a decisão sobre a participação de uma banda de música num evento no estrangeiro, tem que ser aprovada pelo chefe de estado-maior general.
Os americanos também referem o que chamam de «stove-pipe» e que em Portugal se chama de cultura de «capelinhas», em que cada ramo vive praticamente isolado. O CEMGFA é apenas uma autoridade nominal, mas não tem qualquer autoridade sobre o orçamento ou os gastos dos vários ramos.
A embaixada norte-americana, considera (em 2009) que o principal responsável da Força Aérea, o Ten.General Luis Araujo não passa de um dinossauro, que pretende chegar a chefe de Estado-Maior [3] e embora seja alérgico a qualquer plano de modernização, estará disposto a fazer tudo para atingir o cargo de CEMGFA.
O problema do carreirismo estará segundo a embaixada demonstrado pelo numero de generais e almirantes. Portugal tem, segundo o relatório, 3,3 vezes mais generais e almirantes que os Estados Unidos.
O alto custo de manutenção de um grande numero de oficiais generais, servirá como explicação para o facto de a presença portuguesa em forças internacionais como a ISAF ser quase residual, quando alegadamente a presença de forças portuguesas no estrangeiro não tem em Portugal uma oposição significativa.
O relatório prossegue ao afirmar que os portugueses pretendem adquirir equipamentos apenas por pura pressão, adquirindo briquedos caros.
É dado o exemplo de dois submarinos que em 2009 ainda estavam por entregar e da modernização dos caças F-16 para um padrão MLU mais moderno.
Também é referida a questão da aquisição de duas fragatas holandesas do tipo «M» (classe Bartolomeu Dias), cuja aquisição segundo a embaixada americana resultou da pressão de vários governos europeus.
Os navios americanos custariam 100 milhões de Euros em modernizações, mas os responsáveis terão comparado as performances das fragatas Perry, construidas nos anos 70 com navios novos, mas acabou comprando fragatas com 15 anos. Os portugueses utilizaram «contabilidade criativa», para fazer as fragatas OHP parecerem muito mais caras que o que na realidade eram, e contabilizou apenas o custo do casco das fragatas holandesas.
Também é referido a título quase anedótico, o problema com os helicópteros europeus EH-101, que foram considerados mais baratos que os seus concorrentes americanos, mas apenas porque os portugueses não contabilizaram os altíssimos custos de operação das aeronaves.
Também o caso dos 36 carros de combate Leopard-II A6 foi referido. Neste caso, a embaixada considera que não há problema nenhum com as viaturas, mas Portugal não tem qualquer doutrina operacional sobre e utilização de carros de combate, nem capacidade para garantir a sua manutenção.
Segundo a embaixada norte-americana, a opção apenas vai desviar recursos para forças pesadas e com pouca mobilidade, quando era intenção da força, aumentar a sua capacidade expedicionária.


Conseguir a atenção do governo de Portugal


Igualmente interessante é a referência feita ao complexo de inferioridade português. Não tendo capacidade para dispor de forças em numero, os portugueses aparentemente terão optado pela qualidade das forças disponibilizadas para operações internacionais [4]. Também a atenção dada por Washington à Espanha, país que não tem as melhores relações com Washington mas que tem muito mais atenção por parte de Washington não deixou de ser comentada. Os portugueses consideram que Washington toma a posição portuguesa por garantida.
O relatório recomenda uma acção mais dinâmica por parte da administração Obama e da secretária de estado Clinton para melhorar a posição norte-americana junto do governo de Portugal[5].
O relatório termina, recomendando que em Washington se tomem medidas claras e decisivas quando se trata do governo de Portugal, porque Lisboa, terá sempre tendência para adiar toda e qualquer decisão.
Entre os instrumentos que Washington poderá utilizar está o da formação técnica militar a baixo custo de que Portugal beneficia e que permite manter relações especialmente amigáveis com o governo de Lisboa.


[1] - Não se trata de uma gralha do areamilitar.net, o original refere Alberto Salazar, mas refere-se naturalmente a António de Oliveira Salazar.
[2] – Este tipo de problema, foi realçado pelos norte-americanos há já 60 anos, quando nos anos 50 fizeram planos para reorganizar o exército português. Os militares britânicos que tiveram contactos com Portugal no período imediatamente seguinte à guerra também produziram relatórios onde se frisava que este era um dos principais problemas especialmente no exército.
[3] – A pretensão parece ter-se confirmado, dado Luis Araujo, de 61 anos ter efectivamente sido apontado como chefe de estado-maior das forças armadas em Fevereiro de 2011.
[4] – Em operações como a do Afeganistão, é de especial importância o numero de miltiares e não a qualidade das forças. O policiamento é por definição muito mais exigente em termos de numero de militares que em qualidade operacional. Isto explica que o envios de forças especiais para o Afeganistão, apresentasse problemas.
[5] – O relatório é enviado para Washington imediatamente após a tomada de posse de Barak Obama como presidente e de Hilary R.Clinton como secretária de estado.

Os relatórios mencionados neste texto estão no site do jornal EXPRESSO, em:


 

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