O Lego, o BPN e o esquecimento generalizado
02 Fevereiro 2012
Fernando Sobral
Como é que é possível que a intervenção no BPN, onde parece não existirem nenhuns culpados sobre o que aconteceu, tenha custado até agora 5,3 mil milhões de euros, um valor superior aos depósitos existentes aquando da nacionalização? Quem permitiu esta loucura?
Ontem, num dos grandes momentos para a salvação da Zona Euro, foi construído no átrio do Conselho Europeu um enorme mapa da UE com peças de Lego. Parece uma metáfora do que está a Europa actual: todos encaram o seu futuro como um jogo de interesses, onde o factor lúdico não foi dispensado. Corre-se o risco de encarar a eventual falência da Grécia ou um eventual severo segundo pacote de auxílio a Portugal da mesma forma que se joga poker. Como se não estivessem em causa milhões de pessoas, como se vai vendo com o aumento para números alarmantes do número de desempregados na Europa. E com os Estados sem capacidade para intervir de forma correctiva porque deixaram de ter meios financeiros para isso. Está a criar-se em nome da austeridade os germens de uma convulsão social em larga escala. Parece já só faltar um motivo fútil para que tudo se incendeie.
Face a isso o núcleo duro da UE continua a insistir numa austeridade sem limites, esquecendo o desemprego e a necessidade urgente de relançamento económico. Alguns génios encartados vêem até com bons olhos que a Alemanha envie polícias fiscais para os países com dificuldades, envolvendo a limitação de soberania e a colocação da democracia política no caixote do lixo. Há algo de podre em toda esta Europa. Mas se Portugal pode ser envolvido com facilidade neste pântano sem fundo, também deve muito a si próprio. Os exemplares dados sobre o BPN só arrepiam quem ainda não viu um porco andar de bicicleta. Como é que é possível que a intervenção neste banco, onde parece não existirem nenhuns culpados sobre o que aconteceu, tenha custado até agora 5,3 mil milhões de euros, um valor superior aos depósitos existentes aquando da nacionalização? Quem permitiu esta loucura? E depois vem pedir-se candidamente aos portugueses para apertar o cinto, para ficarem sem subsídios de férias e de Natal, com serviços de saúde e transportes públicos mais caros enquanto se criam mais impostos.
Como se isso não bastasse verifica-se agora que há dívidas incobráveis, referentes a empréstimos milionários para a aquisição, por exemplo, de participações accionistas que hoje valem muito menos. O problema disto, como se viu na Abertura do Ano Judicial, é que a própria justiça, entretida em guerras internas, não está disponível para que alguma moralidade e bom senso regresse ao país. Tudo se faz à descarada, como se já não existisse vergonha. E não existe porque deixaram de existir culpados ou condenações. Um dos grandes problemas de Portugal é a segurança - jurídica e judicial.
Há leis mas elas só servem para enfeitar. Nunca se resolve, com celeridade e eficácia, os problemas da sociedade. Os problemas arrastam-se até ao esquecimento. Teme-se por isso mesmo que o grande mistério do BPN (tal como, noutra dimensão, o do BPP) nunca sejam cabalmente esclarecidos e tudo fique esquecido após a acção do Estado que foi despejando toneladas de dinheiro em cima de um problema criado por ausentes em parte incerta. O problema é que o BPN representa muito do regime constituído depois do 25 de Abril, onde as cumplicidades subterrâneas acabaram por fazer do Estado um clube de interesses bem distribuídos política e economicamente. Numa altura de crise do país é evidente que uma coisa destas não deveria passar em claro. Mas parece que o dinheiro dos contribuintes esbulhados à força serve sobretudo para isso: para pagar os benefícios privados de alguns.
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