quinta-feira, 11 de abril de 2013

Impasse: As três saídas para a crise política (III)

Pelas razões que já expus, a continuação deste governo não resolverá nenhum problema. Como se viu na forma como lidou com o chumbo do Tribunal Constitucional, o governo está sem rumo. A sua única função, neste momento, é a de uma comissão liquidatária: antes de cair, garantir brutais cortes na saúde, educação e segurança social, que transfiram estas funções para os privados. Da saída do País da crise, nada resta. Apenas a agenda ideológica que sempre moveu Passos Coelho, uma extraordinária incompetência e um discurso punitivo que desmoralize os portugueses e os torne impotentes perante todos os abusos.

Existe alguma tendência do mundo político e mediático em confundir crise de governabilidade com crise política. Existe governo, tem maioria e tem o apoio do Presidente República. Mas não haja enganos: a crise política já existe. A descrença dos portugueses no sistema político, que pode ser aferida pela dicotomia entre uma inevitabilidade que nos leva para um buraco e a pouca credibilidade nas alternativas e nos sujeitos políticos que as deveriam protagonizar é o resumo da mais profunda crise política que um país pode viver.

Nenhuma remodelação do governo resolverá este problema. Aliás, ao que se sabe, o adiamento desta remodelação nada teve a ver com a declaração de inconstitucionalidade do orçamento, que era previsível. E muito menos com a saída de Miguel Relvas. Teve a ver com a dificuldade que Passos Coelho está a ter em encontrar alguém disponível para entrar num barco que se afunda. Ou seja, de uma remodelação não nascerá um governo mais forte, mas um governo mais fraco.

Perante o agudizar da crise e a inexistência de respostas alternativas de um primeiro-ministro que, perdido o seu rumo (por falhanço evidente), navegará à vista e tentará usar o tempo que lhe resta para impor uma agenda que destruirá a coesão social do País, a queda do governo é apenas uma questão de tempo. De pouco tempo. Se não cair quando os números da execução orçamental forem realmente conhecidos, cairá no segundo resgate. Se não cair no segundo resgate, cairá nas autárquicas. Se não cair nas autárquicas cairá no próximo orçamento. Isto, claro, se não cair por causa de mais um pequeno escândalo que entretanto aconteça. Como se viu este fim de semana, a vontade de acabar este ciclo cresce dentro do próprio governo. Qualquer abanão chegará para o fazer cair. Pior agora do que daqui a uns meses? porquê?

A alternativa que alguns têm apresentado para a evidente fragilidade do governo, que o torna incapaz de definir soluções estruturantes para sair desta crise, tem sido a de um governo de iniciativa presidencial.

Esta solução esbarra, à partida, com um elemento incontornável: o próprio Presidente da República. O Presidente da República é, regra geral, pouco importante no funcionamento da vida política nacional. A não ser em momentos de impasse como estes. Aí, precisa de duas coisas: autoridade política e capacidade de fazer pontes e sínteses. Ora, hoje o Presidente é quase tão desrespeitado como o governo. E, pelo contraste entre o seu comportamento anterior e atual, nunca será visto como um árbitro.

Imaginemos, no entanto, que o Presidente conseguia encontrar alguém capaz de conquistar o apoio e a credibilidade para formar um governo. Silva Peneda, por exemplo. Sendo certo que a esse governo faltaria um programa anterior às eleições, não seria de esperar que tivesse condições para impor uma alternativa que não passe, no fundamental, pela aplicação do memorando da troika. Ou seja, para aplicar medidas de austeridade.

A minha dúvida prática é esta: pode um primeiro-ministro que não passou pelo crivo eleitoral (mesmo que tenha o apoio maioritário do parlamento) impor uma única medida de austeridade sem ficar numa situação muito frágil? Manter-se-á o apoio maioritário do Parlamento, sem a lealdade partidária que geralmente o garante, ao primeiro falhanço? Quantos meses duraria um governo assim? Três meses? Quatro? Ganhamos alguma coisa em ter duas crises, a formação de dois governos, em vez de uma crise, umas eleições e a formação de um governo?

Mas tenho uma dúvida mais profunda. E ela resume-se no nome de um homem: Beppe Grillo. Mario Monti era bem visto no exterior e elogiado por essa Europa fora. Ao primeiro abalo caiu e, afinal, valia apenas 9% dos votos. A gestão da crise - num país não intervencionado, o que lhe dava maior espaço de manobra - por parte de um homem que não chegou ao poder depois de passar por eleições, criou um ambiente político que destruturou a vida político-partidária italiana. O resultado foi vermos uma lista sem enquadramento programático claro com um terço dos votos. Cada um fará a leitura das causas e consequências desta escolha dos italianos. Mas uma coisa parece evidente: ela aumentou os bloqueios e a crise política em Itália, não os resolveu. Porque, nas democracias parlamentares, a legitimidade de um governo vem do Parlamento. Mas a legitimidade política mais profunda não dispensa eleições. Ainda mais em cenário de crise. E mais ainda, perante uma intervenção externa.

A solução de um governo de iniciativa presidencial não só não resolve nada, adiando problemas, como se arrisca a criar bloqueios bem mais graves que degradarão ainda mais a situação política e a democracia portuguesa.

Restam, assim, as eleições. Esta solução tem sido tratada como uma tragédia pela maioria dos comentadores e agentes políticos. A forma como cada vez mais gente vê as eleições como um problema, em democracia, deveria chegar para nos preocupar. No entanto, desvalorizo algumas destas reações. Muitos dos que agora a consideram trágica foram os que a defenderam no preciso momento em que Portugal negociava e assinava o memorando de entendimento e passava a estar sobre intervenção externa. A incoerência é demasiado óbvia para merecer grandes considerações.

As eleições servem exatamente para vencer impasses. Depende do eleitorado se os resolvem ou não. Quando não os resolvem sabemos que os impasses não são apenas do mundo político, mas do país inteiro. No entanto, fugir dessa clarificação é atirar problemas para a frente.

É, no entanto, de prever que das eleições, que muito provavelmente seriam ganhas pelo PS, não saia uma solução maioritária. E ainda menos provável que saia um governo com forte capacidade de mobilização para impor renegociações vigorosas do memorando e da dívida, com todos os riscos inerentes a esta escolha, e capaz de procurar aliados externos para um combate europeu.

Sem maioria, ou o PS governa sozinho, e teremos um governo de meses, ou encontra parceiros. E aí, não se fazem milagres. Ou se alia ao CDS (se este chegar) e teremos um governo esquizofrénico, ou se alia ao PSD, e teremos um governo de gestão, incapaz de definir um rumo claro para sair da crise. Este governo só resolve os problemas para quem acredite que a forma de lidar com esta crise se resume a uma mera gestão das contas públicas. Ou seja, que não exige um diagnóstico claro e uma alternativa à austeridade.

Restaria o que parece ser normal noutros países, mas aqui surge como impossível: entendimentos entre os partidos de esquerda que permitam uma alternativa minimamente coerente. Um entendimento que tenha, nos seus objetivo, salvar o Estado Social, devolver dignidade ao País na sua relação com as instituições europeias e o FMI e romper o ciclo de empobrecimento que aposta na desvalorização da economia, contrariando a lógica perversa de um euro que, tal como existe, nos condena à asfixia económica. E é destes entendimentos à esquerda que falarei amanhã.

Amanhã: à esquerda, na caminha é que se está bem

Fonte: Expresso

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