Por razões de conveniência política, o governo decidiu dramatizar o chumbo do Tribunal Constitucional. Como se fosse ele a causar uma situação de ruptura financeira em que já vivíamos. Repito o que escrevi ontem: o desvio às previsões orçamentais do governo foi, antes de mais, causado pelos efeitos da sua própria estratégia. Ele correspondeu 1,9% do PIB. O chumbo decidido pelo Tribunal Constitucional corresponde a 0,7%, relativamente pouco quando comparado com as derrapagens a que temos assistido.
Sim, é verdade que o governo está perante um impasse. Mas ele não resulta dos valores agora em causa, mas da fragilidade política em que o governo agora se encontra. A saída humilhante do seu coordenador político, que, pelos seus contornos éticos, deixou o governo tremendamente exposto às suas próprias debilidades. E os sucessivos falhanços de Vítor Gaspar, seja nos efeitos da sua estratégia, seja pela ausência de alternativas a uma declaração de inconstitucionalidade mais do que previsível, retiraram ao governo a pouca credibilidade que lhe restava. Nestas circunstâncias, a apresentação de novos impostos resultariam numa contestação imediata de enormes dimensões. Porque a maioria dos portugueses já percebeu que a receita não resulta e porque já não acredita no cozinheiro.
Perante uma situação de impasse, onde não tem margem orçamental para acomodar mais um buraco (que não é o mais grave) e não tem condições para propor mais cortes salariais ou impostos (na prática, é a mesma coisa), o governo tinha três saídas: aproveitar este acontecimento para conseguir um acordo menos mau com a troika nas condições de pagamento da dívida e prazos para as metas a atingir, fazer cortes no Estado de enorme dimensão que só uns meses depois se sentirão na vida das pessoas ou demitir-se, tratando de responsabilizar outros por essa opção. As três precisariam da criação de um ambiente de enorme dramatização política, que contaria, como sempre conta, com a participação ativa de alguma comunicação social.
Se fosse para conseguir um acordo menos violento com a troika, o governo faria bem em dramatizar. Abria-se, é verdade, um importante precedente: todos perceberiam, de uma vez por todas, que dizer "não" e deixar de ser o bom aluno tem vantagens. Confesso que foi o que, no sábado, pensei que seria feito. Enganei-me. Subestimei a falta de patriotismo que é, desde a crise política que alimentou nas vésperas do pedido de "resgate", a imagem de marca deste governo.
A ofensiva mediática de fazedores de opinião e do exército de ex-dirigentes do PSD que ocupa o espaço do comentário televisivo já começou. O objetivo é apresentar a redução da despesa, seja ela qual for, como a solução virtuosa para este impasse. Confundindo o desperdício que tem de ser combatido, o investimento que é necessário e os encargos com Estado Social, que contribuem para o rendimento disponível dos portugueses (sem as quais, assistimos aos mesmos efeitos para economia do aumento de impostos), como se tudo fosse a mesma coisa. Essa ofensiva inclui a tentativa de obrigar o PS a colar-se aos cortes no Estado Social, havendo mesmo jornalistas que já usam, em notícias, a expressão "radicalismo" para caracterizar a tímida posição que António José Seguro hoje sustenta.
Se toda esta história tivesse como objetivo, perante a impossibilidade das duas alternativas anteriores, preparar uma demissão, não me parece que a vitimização resultasse. Como se viu no caso do PEC IV, um governo impopular dificilmente muda a percepção que as pessoas têm do seu trabalho por golpes de teatro deste género. A ideia de que o governo se queria demitir, ou que Portas e Gaspar realmente se preparavam para essa opção, fez parte da farsa que o governo montou no último fim de semana.
Antes da decisão do Tribunal Constitucional, Passos Coelho tinha nas mãos uma monumental cratera nas contas públicas, com todas as previsões para 2013 a falharem, ainda o ano mal tinha começado. A responsabilização do ambiente internacional e europeu por estes resultados era fraca. Não porque fosse completamente falsa, mas porque foi a que se esperava que fosse e contar com ela fazia parte das obrigações do governo. E porque não bate certo com a narrativa que Passos Coelho nos vendeu desta crise - ela era da exclusiva responsabilidade do endividamento socrático, culpa nossa e só nossa. O governo sabia que, de uma forma ou de outra, com este ou com outro nome, vinha aí um segundo resgate que prolongasse as medidas de austeridade. E só ele seria responsabilizado por isso.
Mais: o espaço de manobra político para avançar com monumentais cortes na saúde, educação e segurança social era nulo. E esse é o verdadeiro programa do governo. Aquele que Passos há mais tempo pretende ver aplicado e a razão porque olha para esta crise como uma oportunidade para o País se "regenerar".
Perante a mais do que previsível decisão do Tribunal Constitucional, Passos montou o palco para a sua farsa. Primeiro, deu a entender que teríamos uma enorme crise política, passando a ideia de que viria aí uma demissão que nunca esteve realmente na sua cabeça. Depois, criou o papão do segundo resgate, que é um risco real muito anterior à decisão do TC. Por fim, o ministro das finanças lançou o pânico, proibindo gastos correntes e responsabilizando o Tribunal Constitucional por uma medida sem justificação possível, tendo em conta os valores que estão em causa. Instalado o medo, tem a desculpa para os cortes que sempre quis fazer, por convicção ideológica e interesse de terceiros, no Estado Social. Podendo apresentar esse seu programa como uma inevitabilidade causada por outros.
Os factos são bastante claros, a vontade do governo avançar com estes cortes é antiga e pública. A situação das contas públicas, com um enorme aumento da dívida e agravamento de todos os indicadores económicos e financeiros, desde que Passos chegou ao governo, também. Se a oposição colaborasse com esta farsa e, por causa dela, cedesse à chantagem, seria um ato de enorme estupidez política que a levaria a ser cúmplice da destruição do País.
Amanhã: as três saídas para a crise política
Fonte: Expresso
Sim, é verdade que o governo está perante um impasse. Mas ele não resulta dos valores agora em causa, mas da fragilidade política em que o governo agora se encontra. A saída humilhante do seu coordenador político, que, pelos seus contornos éticos, deixou o governo tremendamente exposto às suas próprias debilidades. E os sucessivos falhanços de Vítor Gaspar, seja nos efeitos da sua estratégia, seja pela ausência de alternativas a uma declaração de inconstitucionalidade mais do que previsível, retiraram ao governo a pouca credibilidade que lhe restava. Nestas circunstâncias, a apresentação de novos impostos resultariam numa contestação imediata de enormes dimensões. Porque a maioria dos portugueses já percebeu que a receita não resulta e porque já não acredita no cozinheiro.
Perante uma situação de impasse, onde não tem margem orçamental para acomodar mais um buraco (que não é o mais grave) e não tem condições para propor mais cortes salariais ou impostos (na prática, é a mesma coisa), o governo tinha três saídas: aproveitar este acontecimento para conseguir um acordo menos mau com a troika nas condições de pagamento da dívida e prazos para as metas a atingir, fazer cortes no Estado de enorme dimensão que só uns meses depois se sentirão na vida das pessoas ou demitir-se, tratando de responsabilizar outros por essa opção. As três precisariam da criação de um ambiente de enorme dramatização política, que contaria, como sempre conta, com a participação ativa de alguma comunicação social.
Se fosse para conseguir um acordo menos violento com a troika, o governo faria bem em dramatizar. Abria-se, é verdade, um importante precedente: todos perceberiam, de uma vez por todas, que dizer "não" e deixar de ser o bom aluno tem vantagens. Confesso que foi o que, no sábado, pensei que seria feito. Enganei-me. Subestimei a falta de patriotismo que é, desde a crise política que alimentou nas vésperas do pedido de "resgate", a imagem de marca deste governo.
A ofensiva mediática de fazedores de opinião e do exército de ex-dirigentes do PSD que ocupa o espaço do comentário televisivo já começou. O objetivo é apresentar a redução da despesa, seja ela qual for, como a solução virtuosa para este impasse. Confundindo o desperdício que tem de ser combatido, o investimento que é necessário e os encargos com Estado Social, que contribuem para o rendimento disponível dos portugueses (sem as quais, assistimos aos mesmos efeitos para economia do aumento de impostos), como se tudo fosse a mesma coisa. Essa ofensiva inclui a tentativa de obrigar o PS a colar-se aos cortes no Estado Social, havendo mesmo jornalistas que já usam, em notícias, a expressão "radicalismo" para caracterizar a tímida posição que António José Seguro hoje sustenta.
Se toda esta história tivesse como objetivo, perante a impossibilidade das duas alternativas anteriores, preparar uma demissão, não me parece que a vitimização resultasse. Como se viu no caso do PEC IV, um governo impopular dificilmente muda a percepção que as pessoas têm do seu trabalho por golpes de teatro deste género. A ideia de que o governo se queria demitir, ou que Portas e Gaspar realmente se preparavam para essa opção, fez parte da farsa que o governo montou no último fim de semana.
Antes da decisão do Tribunal Constitucional, Passos Coelho tinha nas mãos uma monumental cratera nas contas públicas, com todas as previsões para 2013 a falharem, ainda o ano mal tinha começado. A responsabilização do ambiente internacional e europeu por estes resultados era fraca. Não porque fosse completamente falsa, mas porque foi a que se esperava que fosse e contar com ela fazia parte das obrigações do governo. E porque não bate certo com a narrativa que Passos Coelho nos vendeu desta crise - ela era da exclusiva responsabilidade do endividamento socrático, culpa nossa e só nossa. O governo sabia que, de uma forma ou de outra, com este ou com outro nome, vinha aí um segundo resgate que prolongasse as medidas de austeridade. E só ele seria responsabilizado por isso.
Mais: o espaço de manobra político para avançar com monumentais cortes na saúde, educação e segurança social era nulo. E esse é o verdadeiro programa do governo. Aquele que Passos há mais tempo pretende ver aplicado e a razão porque olha para esta crise como uma oportunidade para o País se "regenerar".
Perante a mais do que previsível decisão do Tribunal Constitucional, Passos montou o palco para a sua farsa. Primeiro, deu a entender que teríamos uma enorme crise política, passando a ideia de que viria aí uma demissão que nunca esteve realmente na sua cabeça. Depois, criou o papão do segundo resgate, que é um risco real muito anterior à decisão do TC. Por fim, o ministro das finanças lançou o pânico, proibindo gastos correntes e responsabilizando o Tribunal Constitucional por uma medida sem justificação possível, tendo em conta os valores que estão em causa. Instalado o medo, tem a desculpa para os cortes que sempre quis fazer, por convicção ideológica e interesse de terceiros, no Estado Social. Podendo apresentar esse seu programa como uma inevitabilidade causada por outros.
Os factos são bastante claros, a vontade do governo avançar com estes cortes é antiga e pública. A situação das contas públicas, com um enorme aumento da dívida e agravamento de todos os indicadores económicos e financeiros, desde que Passos chegou ao governo, também. Se a oposição colaborasse com esta farsa e, por causa dela, cedesse à chantagem, seria um ato de enorme estupidez política que a levaria a ser cúmplice da destruição do País.
Amanhã: as três saídas para a crise política
Fonte: Expresso
Sem comentários:
Enviar um comentário