segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Um espelho para ver o Universo é polido quase até à perfeição

Representação do European Extremely Large Telescope com um espelho de 39 metros de diâmetro ESO
Quase 800 peças de vidro serão juntas como num puzzle para criar o espelho do maior telescópio óptico do mundo.

Do muito nebulado País de Gales para o límpido céu estrelado do monte Armazones, no Chile. A tecnologia para criar o espelho daquele que será o maior telescópio óptico do mundo está a ser desenvolvida na fria costa Norte daquela região, onde o fabrico de vidro e de componentes ópticos é uma tradição centenária.

Num armazém cinzento e de aspecto industrial, em Saint Asaph, a equipa coordenada por Caroline Gray trabalha na criação de protótipos para as 798 peças hexagonais que, juntas como num puzzle, darão origem ao espelho de 39 metros do European Extremely Large Telescope (o Telescópio Europeu Extremamente Grande). O telescópio, que deverá começar a funcionar entre 2024 e 2026, é um projecto do Observatório Europeu do Sul, um grupo composto por 16 países-membros, entre os quais Portugal.

Neste tipo de telescópios, o espelho é a peça óptica fundamental e construir um com 39 metros de diâmetro – e apenas cinco centímetros de espessura – implica desafios técnicos numa escala nova. Por comparação, um outro telescópio daquele observatório (o Very large Telescope, ou Telescópio Muito Grande, também no Chile) é composto por quatro telescópios individuais, cada um com um espelho de oito metros. O Grande Telescópio das Canárias, o maior do mundo por ora, tem um espelho de dez metros.

Um dos desafios da equipa de Caroline Gray é encurtar significativamente o tempo de fabrico de cada hexágono. O processo começa com uma peça de vidro circular vinda da Alemanha. Tem 1,5 metros de diâmetro, cerca de 130 quilos, uma tonalidade âmbar e um aspecto baço. Cortar o vidro, poli-lo com uma precisão nanométrica, testar, voltar a polir e voltar a testar, e repetir o processo muitas vezes, quase até à perfeição, é um trabalho que demora seis semanas.

“É só uma máquina e cinco pessoas, que não estão a trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana. Se estivéssemos a produzir em massa, não seriam mais de duas semanas”, ressalva Caroline Gray, enquanto passeia um pequeno grupo de jornalistas pelas instalações, que fazem parte do OpTIC, um centro de investigação e incubadora de empresas da pequena Universidade de Glyndwr. Ainda assim, duas semanas por hexágono é muito mais tempo do que o previsto no plano de fabrico do telescópio. “Vamos ter de conseguir fazer um a cada dois dias”, explica.

Nem todas as peças do puzzle são iguais. Há sete padrões distintos, que, no final, terão de encaixar na perfeição. “A precisão dos nossos testes é de dois nanómetros. Há uma tolerância extremamente reduzida”, diz Gray, apontando para uma estrutura metálica com dez metros de altura, que é usada para testar cada lente, com recurso a lasers. A precisão da tarefa é difícil de imaginar: um nanómetro é um milionésimo de milímetro.

“Quando se põem quase mil peças de vidro juntas, têm de funcionar como se fossem uma”, acrescenta. Se as condições atmosféricas não forem as ideais, já não é possível fazer os testes. Mesmo o vento pode ser um problema, num edifício que não foi construído para o efeito e onde uma abertura para o exterior está tapada com um plástico fino e fita-cola.

Ainda não se sabe quem produzirá os cerca de mil hexágonos necessários para o telescópio (um número que inclui peças suplentes). O Observatório Europeu do Sul está a preparar o concurso internacional para adjudicar a tarefa. Os investigadores no País de Gales ganharam apenas o concurso para criar a tecnologia, mas tencionam candidatar-se também ao fabrico em massa. Nas contas da cientista, o contrato poderá rondar os 150 milhões de euros (os custos totais do telescópio andarão em torno de 1083 milhões). O investimento teria um impacto significativo na economia de uma região onde a indústria do vidro é uma tradição: começou com uma fábrica de vidro criada em 1826, que acabou por dar origem a uma empresa multinacional chamada Pilkington e fomentar o aparecimento de uma miríade de empresas no sector.

Entretanto, do outro lado do mundo, a cerca de três mil metros de altitude, já começaram no monte Armazones as obras de construção da estrada e da base do telescópio. A estrutura em forma de abóboda terá 100 metros de altura. Segundo os responsáveis, o Telescópio Extremamente Grande será capaz de produzir imagens 16 vezes mais nítidas do que as do telescópio espacial Hubble. Se tudo correr como previsto, uma imensa quantidade de luz passará pelos 39 metros do espelho. Incluindo a luz de planetas e de estrelas distantes, e de algumas das primeiras galáxias do Universo.

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