História dos Açores |
Há exatos 121 anos, entre 17 e 18 de maio de 1895, Francisco Barreto Corte Real, terceirense, descendente da família dos navegadores Corte Real, empreendeu uma viagem única e desafiadora, partiu de Angra do Heroísmo rumo a Ponta Delgada, num pequeno “barco de papel”.
Esta viagem, numa embarcação a que se deu o nome de “Autonomia”, serviu para comemorar a autonomia açoriana concedida uns dias antes, a 2 de março, pelo governo nacional do micaelense Hintze Ribeiro, e que estava a ser festejada em S. Miguel.
Na madrugada do dia 17 de maio de 1895, cerca das 3h00, Corte Real partia do porto de Angra do Heroísmo, com o objetivo de chegar a Ponta Delgada e assistir às comemorações da Confraternização da Autonomia. O barco era pequeno (430x140x70cm), ou seja,“12 pés de comprido”, construído em cavername de madeira recoberto a tela e a papel de jornal justapostos, daí o nome de “Barco de Papel”. O bote pertencia ao Patrão-mor do Porto de Angra, o 1º Tenente da Armada, José António Teles Pamplona, amigo de Corte Real.
A viagem do aventureiro Corte Real foi considerada perigosa e muito arriscada, principalmente pelo facto do navegador não ter conhecimentos profundos de náutica para empreendê-la, mas nada o demoveu do seu intento. Corte Real levou consigo apenas um garrafão com água, uma garrafa de aguardente e oito pães. Segundo as informações da época, o navegador terceirense não teve permissão da autoridade marítima para lançar-se ao mar nesta aventura, contudo decidiu arriscar.
Ao notar a ausência do aventureiro e do “barquinho”, Correia Machado, um comerciante terceirense, enviou um telegrama para José de Arruda, um funcionário da Casa Bensaúde, em Ponta Delgada, a avisar da façanha de Corte Real e a pedir para que o vapor D. Amélia fosse em socorro do navegador. A notícia da viagem correu a cidade micaelense rapidamente, várias horas já se tinham passado, havendo muitos curiosos a juntarem-se no Cais da Alfândega, desejosos de saber o resultado da proeza. Os poucos terceirenses que se encontravam em Ponta Delgada, eram os mais nervosos com todo o burburinho que se fazia sentir pela cidade, pois não queriam que um dos seus se saísse menos bem.
O vapor D. Amélia encontrou o nosso aventureiro vivo e a embarcação intacta mesmo já se tendo passado mais de 24h do início da viagem. Mesmo assim Corte Real não quis ajuda. Às 10h00 da manhã do dia 18 de maio, ou seja, 31 horas depois da partida, Francisco Corte Real e o seu “barquinho” chegavam a Ponta Delgada, sendo aplaudidos pelos cerca de 3 milhares de pessoas que acorreram ao Cais.
A viagem de 92 milhas terminava e o navegador era surpreendido com a acusação de fuga clandestina, contudo a sua façanha foi ovacionada por todos, o que facilitou a sua vida. O barco foi mantido em segurança, e posteriormente trazido para a Terceira, estando, atualmente, em exposição, no Museu de Angra do Heroísmo.
A viagem de Corte Real, inserida na Confraternização da Autonomia, procurava aproximar os habitantes das duas ilhas, numa tentativa de diminuir as diferenças existentes entre a Terceira e S. Miguel, contudo a ousadia do navegador não teve os resultados esperados. A rivalidade entre Ilhas continuou e com a afirmação de S. Miguel e a perda de influência da Terceira, no virar do séc. XIX para o séc. XX, houve um crescente afastamento insular. Neste início do séc. XXI, não se conseguiu ainda uma política abrangente e que reforce até a própria autonomia.
A incauta viagem de Corte Real, faz-nos lembrar a dos seus antepassados, em busca de terras novas, e permite-nos olhar para a necessidade de haver mais viagens de velejadores locais entre as diferentes Ilhas do arquipélago, como forma não só de aproximação e conhecimento, mas sobretudo de reforço dos laços de açorianidade, tão “cantada” pelo nosso Nemésio.
O apoio aos velejadores açorianos seria uma forma de contribuir para o recreio e para o turismo regional, permitindo “viajar cá dentro” e dar a conhecer a todos os nossos habitantes as maravilhas das nossas 9 Ilhas, aproveitando o facto das várias marinas regionais estarem preparadas para receber os novos “navegadores”. A criação de uma Federação dos Clubes Navais dos Açores proporcionaria provavelmente, uma mais eficaz organização de eventos inter-ilhas, bem como um apoio mais recorrente e concreto aos velejadores locais, nacionais e estrangeiros que por aqui passam.
É sempre importante relembrar que temos, na Horta, uma das mais importantes marinas do Atlântico, e que o reforço do apoio aos velejadores é uma forma de contribuir para a divulgação do nosso nome no estrangeiro.
NOTA: Para mais informações sobre a viagem de Francisco Corte Real, aconselho a leitura de Era uma vez um barco chamado Autonomia de Manuel Ferreira e Tauromaquia Terceirense de Pedro de Merelim (ambos os livros se encontram na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo).
atualizado de crónica publica na Uniao, a 8 de setembro de 2011 e na Tribuna Portuguesa a 01 de junho de 2013.
Fonte: Facebook
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