sábado, 6 de janeiro de 2018

"O mais provável é que haja muitos outros planetas com vida"

 
 
NunoCardoso Santos descobriu "o seu" primeiro exoplaneta em 1999. Estava então a fazer o doutoramento no Observatório Astronómico de Genebra, na equipa de Michel Mayor, que três anos antes tinha identificado o primeiro desses mundos distantes.

O seu regresso a Portugal, em 2003, foi decisivo para a criação de uma equipa no país que, hoje, é uma das mais competitivas a nível mundial nesta e noutras áreas da astrofísica. Mas alerta: a falta de continuidade das políticas científicas em Portugal pode deitar a perder anos de trabalho.

Quando descobriu o seu primeiro exoplaneta?

Comecei o doutoramento em 1998 na equipa de Michel Mayor que descobriu o primeiro exoplaneta em 1995. Sob a sua orientação, fiz observações para um programa de procura de exoplanetas, que deu os primeiros resultados em 1999. A partir daí comecei a participar nessa corrida. Mas são sempre descobertas da equipa. É um trabalho demasiado grande para ser feito por uma pessoa.

Mas deve ter sido muito especial.

Hoje já não temos bem a noção, mas na altura um novo planeta era uma grande novidade. Estávamos no início, e cada novo planeta era alvo de um grande escrutínio dos pares e, por vezes, de grande controvérsia. Cada descoberta era um passo de gigante. Entretanto, as coisas banalizaram-se e nós próprios já quase perdemos a noção de quão importante era há 20 anos descobrir um único planeta.

Os planetas são minúsculos face às suas estrelas. Como os descobrem?

Por métodos indiretos. Hoje já há instrumentos para obter imagens diretas de exoplanetas. Esse foi um momento importante, em 2004, quando se conseguiu a primeira imagem. Mas estas técnicas ainda se limitam a planetas gigantes. Não é possível com a tecnologia atual detetar planetas como a Terra dessa forma. No meu caso, trabalho com outras técnicas, de deteção indireta.

Que técnicas são essas?


São duas. Uma é a das velocidades radiais, a que permitiu aliás detetar o primeiro exoplaneta. Mede a oscilação e a velocidade da estrela, à medida que ela anda à volta do planeta. A estrela anda à volta do planeta, tal como o planeta anda à volta da estrela, só que ela mexe-se menos porque o planeta tem menos massa. Isso permite detetar planetas e medir a sua massa. A outra é a técnica dos trânsitos, em que medimos a variação do brilho da estrela quando o planeta passa na sua frente, o que permite medir o raio do planeta. Em conjunto, as duas técnicas dão-nos a massa e o raio, que são fundamentais para a caracterização dos planetas.

Hoje, em Portugal, estuda-se os exoplanetas, tal como noutros países?

Hoje temos em Portugal uma equipa nesta área que, arrisco-me a dizer, é das mais competitivas a nível internacional. Somos cerca de 20 investigadores, entre doutorados e alunos de doutoramento, com especialistas nas duas técnicas para a deteção de exoplanetas, caracterização das suas atmosferas, estudo das estrelas, dos seus elementos químicos, e conhecimento para desenvolver e construir instrumentação para astronomia, que foi o que fizemos com o ESPRESSO, para o VLT [Very Large Telescope], do ESO [European Southern Observatory], no Chile.

É o vosso mais recente sucesso. O ESPRESSO é um passo à frente?

O ESPRESSO é um espectrógrafo [capta imagens do espectro da luz] que nos vai permitir medir com grande precisão a velocidade das estrelas, detetar planetas e medir as suas massas usando a técnica das velocidades radiais. É um salto qualitativo em sensibilidade e é cerca de dez vezes mais preciso do que o que agora temos. Para detetar e medir a massa de um planeta semelhante à Terra precisamos do ESPRESSO.

E participaram na sua construção.

Sim, desde que o projeto começou, em 2006. E sinto nisso um orgulho muito grande porque tivemos em Portugal a capacidade de ser um ator principal no projeto. O IA [Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço] foi capaz de desenhar, planear e construir uma parte do instrumento, além de fazer o planeamento científico para ele.

De onde vieram as verbas para isso?


A Fundação para a Ciência e a Tecnologia [FCT] percebeu o interesse estratégico desta participação e financiou-a. Isso vai permitir-nos agora ter cerca de 270 noites de observação com o VLT, que é o equivalente a algo como 15 a 20 milhões de euros, se tivéssemos de comprar as noites de observação. Participar no ESPRESSO foi um investimento de cerca de dois milhões de euros. Mas, sobretudo, permitiu pela primeira vez mostrar ao ESO e à comunidade internacional de astrofísica que somos um parceiro capaz de participar em projetos desta envergadura. Por isso, já estamos na linha da frente do projeto de outro espectrógrafo, o HIRES, de High Resolution Spectrograph, para o ELT [Extremely Large Telescope, também do ESO, que está a ser construído no Chile], que é o passo a seguir ao ESPRESSO.

Porque decidiu ir para astronomia?

Quando era miúdo, queria ser astrónomo. Gostava de olhar para as estrelas e sempre me fascinaram as coisas que estavam longe, a origem da vida. Mesmo antes da febre dos dinossauros, já me interessava por eles, mas a astronomia teve sempre um cantinho especial no meu coração.

Foi um daqueles miúdos que fizeram um telescópio?


É verdade [ri-se]. Foi uma experiência muito engraçada. Depois fiz umas observações astronómicas, como amador, diverti-me muito e por causa disso fui para Física. Depois fiz o mestrado em Astronomia e Astrofísica e o doutoramento, que foi decisivo. Ainda havia pouca gente a trabalhar em exoplanetas, foi uma boa aposta.

Foi o tal fascínio do longe?

Foi. Foi o potencial de descobrir outros mundos que me fascinou.

Houve uma altura em havia a dúvida de que pudesse haver outros planetas e sistemas solares. Até quando foi assim?

Até ao ano 2000 havia quem dissesse que o sistema solar era caso único. E havia quem dissesse o contrário. Até 1995, e já desde final da década de 1970, tinha havido projetos para tentar encontrar planetas em torno de outras estrelas, mas tinham falhado. Em 1994, foi até publicado um artigo com os resultados de um desses projetos, que concluía tristemente que os planetas extrassolares não eram muito comuns. Curiosamente, no ano seguinte, foi descoberto o primeiro. Mas foi uma descoberta controversa.

Porquê?

Uma parte da comunidade de astrofísicos pensava que haveria outras explicações para os dados. Houve artigos científicos, até na Nature, a dizer que aquilo não era um planeta. Até ao ano 2000, todos os planetas tinham sido descobertos pela técnica das velocidades radiais, e eram todos gigantes como Júpiter. Mas, ao contrário de Júpiter, estavam muito perto das suas estrelas, e os modelos de formação planetária diziam--nos que eles não deveriam existir. Mas, mais uma vez, as observações acabaram por bater a teoria. Em 2000 houve um exoplaneta detetado pelas velocidades radiais e pela técnica dos trânsitos, e aí deixou de haver dúvidas.

Quantos exoplanetas se conhecem hoje?

Não sei o número exato, mas serão cerca de 3500.

Em quantos esteve envolvido na sua descoberta?

Algumas centenas. Nunca me deu para fazer essa lista.

Já se começa a estudar as atmosferas desses planetas. É outro grande passo?

Há dez anos dificilmente alguém acreditaria que hoje estaríamos a fazê-lo. Em 2007 houve as primeiras deteções de atmosferas, com o [espectrógrafo] HARPS, que está desde 2003 no telescópio 3.6 metros do ESO, em La Silla, no Chile, e que é o antecessor do ESPRESSO. Em 2014, nós no IA conseguimos usar o HARPS para detetar luz refletida do primeiro planeta descoberto em 1995. Com outras técnicas, hoje já se consegue identificar, em planetas gigantes do tipo Neptuno, vários elementos químicos nessas atmosferas, como água e sódio.

Ouve-se falar em água e as campainhas disparam...

É verdade, mas são planetas gigantes e não planetas como a Terra. Por outro lado, já sabemos que a água é muito comum no universo. É interessante, mas não é uma surpresa.

Um dos grandes objetivos é, um dia, encontrar vida num desses mundos?

É o que está um pouco na mente de toda a gente. É um grande objetivo, mas não podemos restringir-nos a isso. Detetar planetas fez-nos perceber quão comuns são os planetas no universo, quão comuns serão outras Terras e também os tais planetas que poderão eventualmente ter vida.

O que é preciso para encontrar vida nesses planetas?

É difícil dizer. Sabemos como é a vida na Terra e temos pistas no espectro de luz da Terra, como o oxigénio e ozono. Na Terra, o oxigénio é um subproduto da vida. Se encontrarmos outro planeta com oxigénio, água e dióxido de carbono, teremos mais ou menos reunidas as condições da atmosfera da Terra. Mas se essas são as únicas condições para a vida é uma pergunta muito importante, para a qual creio que não existe uma resposta clara. Quando começou a vida na Terra, a atmosfera não era como hoje, mas já existia vida e, portanto, o facto de não encontrarmos estes ingredientes não significa que não haja vida. Olhando para o exemplo da Terra, a vida desenvolve--se e consegue sobreviver em condições extremas, em águas extremamente ácidas e quentes, ou em zonas muito frias ou secas. Isso dá-nos esperança de que a vida se pode desenvolver quase em quaisquer condições, desde que haja um mínimo.

A vida, nalguns desses mundos, é pelo menos provável?

A vida parece-me algo extremamente provável. Mas é preciso encontrá-la. Provavelmente a maior parte das estrelas que vemos no céu têm planetas à volta, e a maior desses planetas são do tipo terrestre. Essa é uma das conclusões do estudo de exoplanetas. Só na nossa galáxia há cerca de cem mil milhões de estrelas, portanto é muito pouco provável que não haja um outro planeta com vida. O mais provável é que haja muitos outros planetas com vida, microbiana ou mais desenvolvida, haverá talvez um pouco de tudo.

Há dez anos, não se imaginava que hoje estaria a analisar-se atmosferas de exoplanetas. O que poderá ser possível daqui a dez anos?

Com os instrumentos que estão a ser desenvolvidos, nos quais também estamos envolvidos, nos próximos cinco anos há grande probabilidade de sermos capazes de detetar e caracterizar, em termos de massa, raio, talvez de atmosfera, um planeta com as condições básicas para a existência de vida. Um planeta rochoso, à distância certa da sua estrela para que a sua temperatura permita a existência de água líquida. Depois teremos uma missão espacial da ESA [agência espacial europeia], a PLATO, que será lançada em 2026, para detetar planetas idênticos à Terra na órbita de estrelas semelhantes ao Sol. E nos cinco a dez anos seguintes, com os dados dessa missão, e outros do ESPRESSO, ou do HIRES, seremos capazes de caracterizar esses planetas e fazer um primeiro catálogo de planetas potencialmente habitáveis. Aí precisaremos de uma missão espacial de observação direta do espectro do planeta, para tentar perceber se existem aí traços de vida. Pelo caminho, podemos ter surpresas. O HIRES poderá vir a detetar, se houver os planetas certos nas condições certas, a composição química da atmosfera de planetas terrestres a orbitar outras estrelas e, talvez, identificar a existência de oxigénio num planeta rochoso de outra estrela.

Isso seria uma confirmação de vida?

Não, mas passaria a ser ainda mais provável a sua existência. Esse é um dos motores para a construção do HIRES.

Como se poderá confirmar a existência de vida nesses mundos distantes?

É difícil saber. Mesmo quando encontrarmos um planeta com oxigénio, água e a temperatura certa, ficará sempre a dúvida, a não ser que encontremos algo mais. Pelo menos teoricamente, será possível detetar sinais da existência de clorofila. Creio que aí não restariam dúvidas, mas esse é um salto mais à frente, para daqui a 30 anos, talvez. Mas, aí, espero estar reformado, deixo isso para os mais jovens.

Em Portugal, estão criadas condições para que esses jovens possam vir a detetar clorofila nesses mundos?

Era muito importante que em Portugal houvesse continuidade nas políticas científicas. Falta-nos uma agência financiadora independente dos ciclos políticos, autónoma, para definir as políticas científicas, com um orçamento plurianual. A única maneira é ter uma, como outros países, como França, Reino Unido ou Suíça têm agências científicas que não estão dependentes dos governos que vão e vêm. Se tivermos estabilidade, teremos muito mais perspetivas de poder continuar na crista da onda nesta área, e em muitas outras.

Em que é que isso se reflete?

Portugal é membro do ESO e do programa do ELT, mas não existe neste momento nenhuma forma clara para financiar essa participação no ELT. Nós participamos no HIRES, mas isso envolve verbas que ainda não percebemos se vão existir sequer. É um pouco frustrante. Conseguimos o reconhecimento científico internacional como parceiros altamente competentes na construção de instrumentos, no HIRES somos parceiros de topo e responsáveis por componentes essenciais do instrumento, mas não temos ainda nenhuma certeza de poder fazê-lo quando isso avançar, talvez em 2019. Nessa altura, se não pudermos dar um mínimo de garantias, corremos o risco de ficar de fora.

Já disseram isso a quem de direito?

Estamos a tentar.
 
Fonte: DN

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