sexta-feira, 13 de abril de 2018

Afinal, Maria Madalena não era uma prostituta


A partir das ruínas da cidade de Magdala, na Galileia, no norte de Israel, um grupo de especialistas quer tirar a Maria Madalena o adjectivo de “prostituta” que durante séculos a acompanhou, e reconstruir a sua imagem.

Considerada santa pelos credos católico, ortodoxo, anglicano e luterano do cristianismo, Maria Madalena, que descobriu a sepultura vazia de Jesus e que, segundo o evangelho de São Marcos, presenciou a sua ressurreição com a “outra Maria”, é lembrada no calendário gregoriano com uma festividade a 22 de julho. Recentemente, o papa Francisco elevou o seu estatuto litúrgico a “apóstola dos apóstolos“.

Mas no imaginário popular, Maria Madalena é mais conhecida como uma pecadoraque, arrependida, terá caminhado ao lado de Jesus como uma fervorosa seguidora, depois de abandonar um caminho de obscuras paixões que, séculos mais tarde, ainda lhe rendem uma fama alimentada em canções, livros e filmes que especulam sobre como foi a sua vida, da qual pouco se sabe.

“Maria era a líder do grupo de mulheres que acompanhava e apoiava Jesus, também com os seus bens, e não me parece que este fosse o perfil de uma prostituta, que em geral está mais associado à pobreza”, explica à Agência EFE o padre Juan Solana, que lidera o projecto Magdala na Terra Santa e divide seus dias entre Jerusalém e a histórica cidade nas margens do mar da Galileia.

Neste enclave, que em pelo menos 12 ocasiões é citado nos evangelhos como sendo o local de origem de Maria, os achados arqueológicos feitos nos últimos anos revelam um pouco mais da vida na época e sustentam a ideia de que se tratava de um próspero ponto de comércio, com forte atividade pesqueira e de exportação de sal para Roma.

É neste local que um conjunto de especialistas analisam a teoria de que esta devota teria tido uma boa posição económica, talvez derivada da morte do marido, de quem poderá ter herdado a fortuna com que teria apoiado Jesus.

Mas, a certo momento da história, a percepção da posição de Maria ter-se-á alterado, destaca o padre Solana. Uma dessas ocasiões, por exemplo, é a interpretação muito literal e com certa aversão dos evangelhos em Lucas 8:1-3.

“E aconteceu, depois disto, que andava de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus; e os doze iam com ele e algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, e Suzana, e muitas outras que o serviam com seus bens“.

Outro momento foram as palavras do papa Gregório numa homilia do século VI, na qual fundiu em Madalena as figuras de Maria de Betânia, irmã de Marta e Lázaro que lavou os pés de Jesus com seus cabelos, e uma mulher acusada de adultério a quem Cristo salvou de ser apedrejada.

“Maria Madalena podia ter sido uma santa a quem Deus consentiu que o demónio incomodasse ou tentasse”, afirmou o religioso, acrescentando que há a possibilidade de que estas mulheres fossem “pessoas com sua própria história, personalidade”.

“Porém, as pinturas renascentistas tratam-na como uma pecadora arrependida. Daí passou à arte, à imaginação popular, à literatura, e criou-se uma grande confusão, que perdura até hoje na mente de muitos”, completa, realçando que no seio da Igreja este não é actualmente o pensamento reinante, especialmente depois de uma exegese em meados do século passado.

“A Conversão de Maria Madalena”, Paolo Veronese, 1548

Jennifer Ristine, presidente do Instituto Madalena e especialista nesta personalidade, sobre quem prepara um livro, explica à EFE que “a imagem de Maria Madalena foi criada com base na ficção, em tradições e interpretações erradas através dos séculos“, lamentando que seja “difícil saber onde começou isto”.

Ristine lembra que nos séculos XIV e XVI era retratada com o peito descoberto, o cabelo loiro ou ruivo muito longo, numa época em que havia uma tendência de as cortesãs “pintarem o cabelo de loiro”, razão pela qual esta associação “perdurou através dos séculos” até á actual cultura popular.

“É a mulher mais citada no evangelho, o que significa que para os primeiros grupos cristãos era, certamente, uma mulher muito importante, conhecida e influente”, sustenta Jennifer Ristine, para quem “todo este assunto é complexo, uma lição moral. Tudo o que dizemos começa a formar ideias na mente das pessoas e resulta numa dada reputação”.

“Temos algumas pistas da sua vida, mas realmente continua a ser um mistério que cresceu ao longo dos séculos”, conclui a especialista – que irá continuar a tentar decifrar a história desta Maria que, garante, existiu realmente.

Fonte: ZAP

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