NRP Baptista de Andrade |
Numa madrugada de novembro de 1986, a bordo do NRP Baptista de Andrade, dois operadores-radar deram-se conta da presença de um alvo não identificado nas pantalhas dos instrumentos ao seu cargo.
O navio deslocava-se da ilha das Flores para os bancos Princesa Alice (reserva mundial de pesca), e tinha levantado ferro cerca das 18 horas, viajando a uma velocidade de cruzeiro de 12 nós. A bordo do navio, concebido para o desempenho de missões de escolta, oceânica, seguiam 71 tripulantes. Equipado com dois radares de navegação, deslocava 1380 toneladas, e estava armado com três peças de artilharia.
Devíamos ter percorrido perto de 100 milhas» recorda Sérgio Nunes, um dos operadores de radar que, juntamente com o colega Luís Sancho, testemunhou um acontecimento marcante da sua carreira militar. A data (dia e mês) é aproximada, já que se perdeu o registo escrito — o log do operador — testemunho da memória, mas definiu-se como plausível a hora do evento — entre as 00 horas e as 4 horas. Do local, retém a referida testemunha, que foi «certamente a meia distância da ilha das Flores para os bancos Princesa Alice», para onde se dirigia o navio em missão de interceção de pesca furtiva.
Teriam navegado umas 50 milhas náuticas quando os dois radaristas, Sérgio Nunes e Luís Sancho, se aperceberam de que algo não previsível e não identificável acabara de surgir nos ecrãs do radar. Contas feitas verificaram que a velocidade do «contacto não identificado» era a mesma do Baptista de Andrade — 12 nós.
Era um contacto radar, mas podia ver-se umas luzes como se fosse um helicóptero. Situava-se à nossa ré e mantinha o mesmo rumo e distância, estimada em cerca de 15 milhas náuticas.
A situação meteorológica era boa, praticamente não havia ondulação e vento era quase inexistente e havia apenas alguma nebulosidade. Subi à ponte de comando após o Sancho me ter mandado para a mesa de registo três ou quatro posições do “contacto”.
Tal era normal acontecer aquando de viagens normais, sem que estivéssemos em exercícios. Era uma grande vergonha para um radarista comunicar à ponte um contacto inexistente: vulgarmente eram falsos ecos causados pela ondulação, baleias ou zona de sombra, como era o caso da ré do navio, pois o mastro fazia uma pequena zona de sombra à antena do radar. Um radarista experiente não cometia esses erros, mas tínhamos o cuidado de verificar da existência do contacto que o radar nos dava antes dos vigias assinalarem esse “contacto”.
O facto é que, a dado momento, ficámos sem energia elétrica e, mais ainda, depois de ter regressado a energia, os radares reapareceram ligados sem que fosse necessário efetuar os normais e imprescindíveis protocolos para os ligar.
O normal funcionamento geral do navio foi afetado do: toda a energia elétrica do navio foi desligada, bem como os geradores de emergência, luzes, radares, leme hidráulico, etc.
Então, o comandante do navio mandou guarnecer as peças de artilharia, por motivos óbvios. Nós éramos a tripulação de um navio de guerra em patrulhamento nas águas territoriais portuguesas e o “contacto” vinha à nossa ré com a mesma velocidade e rumo, sem responder às chamadas rádio nem ao morse luminoso. Os geradores do navio eram a diesel, tal como os motores de propulsão.
A distância a que estava o contacto era de cerca de 15 milhas náuticas, a extinção da energia em todo o navio deu-se dois a três minutos depois de aproarmos ao contacto, portanto devia estar a 11 - 12 milhas. As repetidoras da giro-bússola que devem ter 40 centímetros de diâmetro. No entanto, sobre isso, sei que a giro-mãe, que está situada na quilha do navio num compartimento desmagnetizado, a qual tem um diâmetro muito superior, talvez um metro, também estava “maluca”.
Sérgio Nunes ignora se foi feito algum relatório oficial pelo comandante do navio. Recorda que eram cerca de 15 os elementos que tomaram conhecimento direto da situação. Militares da Armada tal como ele, de idades compreendidas entre os 20 e os 45 anos.
Para além do Luís Sancho e grande parte da tripulação no navio, testemunharam este incidente, entre outros, o capitão-de-mar-e-guerra Dores Aresta, Comandante da Base Naval de Lisboa, e que à época era segundo-tenente de Artilharia e que foi chamado à ponte e ao CIC (centro de informações em combate) onde eu e o Sancho operávamos.
Uma cópia do log do operador seria interessantíssima do ponto de vista documental. Com as anotações mínimas poderia ajudar-nos a responder a questões mais detalhadas do evento, tais como: velocidades detetadas, situação meteorológica, fatores que levaram o capitão a considerar o facto como uma ameaça (já que mandou armar as peças de fogo). Por outro lado, segundo os especialistas, as particularidades da ausência e energia são de extrema importância, por exemplo, face à particularidade dos geradores serem movidos a diesel ou à proximidade do objeto quando se deu a extinção das luzes.
Questões que permanecem na sombra face à incerteza de um relatório oficial da parte do comandante da corveta.
Fonte: Livro Ficheiros Secretos à Portuguesa, de Joaquim Fernandes
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