sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Vida “vibrante” do mar dos Açores está ameaçada e é urgente protegê-la

Turista nada com uma jamanta ao largo da ilha do Faial,
Açores (Lusa)
Relatório científico da expedição “Blue Azores” diz que é “urgente” proteger o mar dos Açores, cuja “vida marinha diversificada e vibrante” enfrenta fortes “pressões e ameaças”

Um jardim de coral denso e extenso, com gorgónias que chegam a 1 metro de altura e a 1,5 metros de diâmetros descoberto no mar profundo; jamantas, tubarões e baleias de várias espécies a deambular em mar aberto; poças de maré essenciais para os juvenis de mero no ecossistemas costeiros — estas são algumas das riquezas da “diversificada e vibrante” vida marinha do mar dos Açores que estão sob ameaça se não forem urgentemente protegidas. As conclusões constam de um relatório elaborado pelos cientistas que participaram em expedições do programa “Blue Azores”, coordenadas pela Fundação Oceano Azul e pela Waitt Foundation, em colaboração com investigadores da Universidade dos Açores e outras entidades.

No relatório científico, esta sexta-feira divulgado em São Miguel, os investigadores recomendam “urgência em aplicar uma rede de áreas marinhas protegidas (AMP) de proteção total em 1%” das águas dos Açores, interditando qualquer atividade extrativa de recursos pesqueiros ou minerais. Também aconselham que se melhore a regulamentação da pesca na região e crie planos de gestão eficazes nas AMP já delimitadas. Muitas das AMP são-no apenas no papel, o que fragiliza a sua função de reverter a perda de biodiversidade, recuperando stocks de várias espécies e salvaguardando outras ameaçadas por riscos colaterais.

“A ciência é muito clara e mostra as pressões visíveis sobre a espetacular biodiversidade dos Açores”, frisa o biólogo e coordenador do programa “Blue Azores” Emanuel Gonçalves. O também administrador da Fundação Oceano Azul explica que “os efeitos de proteção desta biodiversidade são tanto maiores consoante a proteção que têm” e que, “se não avançarmos para a proteção total de mais áreas no mar dos Açores, não permitimos que esses ecossistemas recuperem verdadeiramente, de modo a devolver benefícios aos utilizadores, sejam eles pescadores ou atividades turísticas”.

Sublinhando que o “Blue Azores não é só um programa de conservação”, Emanuel Gonçalves esclarece que o objetivo é avaliar como as atividades extrativas afetam mais ou menos a biodiversidade e criar regras. Porém, acrescenta, também é preciso “ouvir todos os stakholders e criar medidas adicionais de valorização das suas atividades, de modo a que ninguém fique para trás”.

Para garantir que a frota açoriana não seja prejudicada devido ao uso de artes mais agressivas praticadas por outras frotas, será necessário, diz, “negociar com Bruxelas e com o Governo central” novas quotas de pesca. Outro dos objetivos salientados no relatório é a promoção da educação e da literacia sobre o oceano no arquipélago e no continente, de modo a que as pessoas valorizem o capital natural marinho do país.

MINISTRO DO MAR APLAUDE E PROMETE DUPLICAR AS AMP NACIONAIS EM MEADOS DE 2020

Este relatório surge oito meses depois da assinatura do memorando de entendimento entre o Governo Regional dos Açores e as fundações Oceano Azul e Waitt, que pretende triplicar de 5% para 15%, no prazo de três anos, as áreas marinhas protegidas dentro da Zona Económica Exclusiva do arquipélago

A ideia é reforçar os planos de gestão das reservas marinhas já classificadas e das que estão por classificar, de modo a garantir a sua eficácia. O mar dos Açores representa cerca de metade (55%) da ZEE portuguesa, estendendo-se por perto de um milhão de quilómetros quadrados.

O ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, aplaude a iniciativa da Fundação Oceano Azul e da Waitt Foundation por “permitir acelerar o processo de alargamento das áreas marinhas protegidas nos Açores, dando um novo impulso a um trabalho que já vem de trás e que começou a ser desenvolvido pelas universidade dos Açores e pelo Governo regional”. E lembra que os arquipélagos dos Açores e da Madeira “foram os primeiros a definir zonas da Rede Natura Marinha na Europa”.

Na totalidade da ZEE portuguesa existem 71 áreas marinhas portuguesas, das quais 58 são nos Açores, oito no Continente e cinco na Madeira. No total ocupam cerca de 7% do mar português, mas o Governo comprometeu-se a duplicar para 14% a área classificada até 2020. Contudo, este processo marca passo e, segundo um relatório da Associação Natureza Portugal / World Wilde Found (ANF/WWF), a larga maioria destas áreas tem apenas proteção no papel.

“Ter áreas marinhas protegidas só no papel dá mau nome ao conceito”, admite o ministro do Mar, “já que o objetivo é não só proteger espécies e ecossistemas, como as comunidades que dependem deles, mesmo que os benefícios não sejam imediatos e possam resultar só ao fim de 10 ou 20 anos”.

Já existe “uma proposta interna de diploma” sobre o alargamento das AMP no mar português que “terá de ser articulada com o Ministério do Ambiente e com os governos autónomos e ser submetida a consulta pública alargada”, diz. “Se não ouvirmos a sociedade, as coisas correm tortas”, afirma Ricardo Serrão Santos, que espera ter o diploma aprovado em meados do próximo ano, por altura da Conferência dos Oceanos da ONU.

Na Conferência dos Oceanos, realizada em Malta, em 2017, surgiu o compromisso internacional de garantir que 10% dos oceanos terão estatuto de área marinha protegida, mas a larga maioria continua a não ter planos eficazes para a conservação e restauração de espécies e habitats.

Segundo a ANF/WWF, “apenas 1,8% da área marinha europeia está coberta por AMP com planos de gestão, apesar de 12,4% estar designada para proteção, o que as torna verdadeiros parques de papel”. Os ambientalistas lembram que só “uma proteção alargada e a longo prazo dos nossos ecossistemas pode assegurar uma economia azul e sustentável na União Europeia”.

“Tem sido louvável o trabalho desenvolvido pelo programa Blue Azores, mas mais do que alargar a área de AMP, é preciso protegê-las efetivamente”, sublinha Rita Sá, da ANF/WWF.

Fonte: Expresso

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