quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Navio da II Guerra Mundial afundou-se ao largo de São Roque faz hoje 47 anos: Dori vai ser transformado em santuário de mergulho

17 Janeiro 2011 [Reportagem]

Fonte da Foto: DIVE AÇORES

Completam-se hoje, dia 16 de Janeiro, 47 anos que se afundou, junto à costa de São Roque, o cargueiro “Dori”. Os destroços do navio ainda lá estão e com o decorrer do tempo tornaram-se num viveiro de peixes e num local muito procurado por entusiastas do mergulho submarino, tanto para caçar como para tirar fotografias ou explorar o que ainda resta do velho cargueiro.
O “Dori” era um navio da carga tipo “Liberty” designação dada a um modelo de cargueiros construídos durante a Segunda Guerra Mundial. A designação oficial era EC 2O e a construção foi planeada e projectada no âmbito do esforço de guerra norte-americano e o seu apoio à Inglaterra e às nações aliadas ao abrigo da lei lend-lease e que levou à concepção e construção de navios de vários tipos, com linhas e estruturas muito simples, grande capacidade de carga e uma velocidade apreciável para a época, num projecto originalmente inglês mas adaptada por estaleiros norte-americanos para se conseguir uma construção barata e muito rápida. Notabilizou-se nessa adaptação o fabricante de automóveis “Kaiser” em cujos estaleiros foi batido o recorde de construção, em quatro semanas e meia, utilizando um sistema de módulos fabricados em diferentes oficinas do estaleiro e, depois, soldados entre si.
Cinquenta anos depois, o mesmo princípio é aplicado na construção dos grandes paquetes de turismo…
Dos 2.751 “Liberty” construídos, cerca de 200 perderam-se durante a Segunda Guerra Mundial por acção do inimigo e dois estão preservados como navios museus, o “Jeremiah O’Brien” em São Francisco, que atravessou o Atlântico pelos seus próprios meios para tomar parte nas celebrações do desembarque da Normandia no Verão de 1995, e o “John W. Brown”, que está atracado em Baltimore.
O Governo dos Estados Unidos, através da “Marine Commission”, mandou construir 2.751 cargueiros tipo “Liberty” entre 1941 e 1945, sem dúvida o tipo de navio mais construído a partir de um mesmo projecto. Muitos desses navios navegaram até à década de setenta do século vinte e foi a partir deles que famosos armadores gregos como Aristóteles Onassis e Stavros Niarchos iniciaram os seus negócios construindo fabulosas fortunas. A moderna marinha mercante grega nasceu no fim dos anos 40, quando aqueles e outros empresários compraram barato, constava na época que chegaram a adquirir navios em razoável estado de navegação por um dólar(!?). Foram 800 os navios Liberty adquiridos por diversos armadores gregos.
O “Dori” que jaz há 47 anos no fundo arenoso das costas de São Roque, foi construído em 1943 com o nome de “Edwin L. Drake”; a quilha foi assente a 26 de Junho, lançado ao mar a 31 de Julho e entregue à “War Shipping Administration”, que os operava, a 10 de Agosto. Desempenhou várias missões como transporte militar na Europa, Norte de África e no Pacifico e tomou parte no desembarque das forças aliadas na Normandia. Terminada a Segunda Guerra Mundial foi vendido para uso civil tendo passado pela mão de vários armadores gregos ou seus associados.
Primeiro, o “Edwin L.Drake” foi vendido aos armadores “American Trans-Ocean Navigation Corp.” e quando se afundou estava nas mãos da “Atalaya Cia Nav. SA”, depois de passar por vários donos, nomeadamente a “International Freighting Corp;” American Trans-Ocean Navigation Corp.; em 1951 passou a chamar-se SEADRAKE, nas mãos da “Portsmouth SS Corp”.; depois em 1954 mudou o nome para PHOENIX, como armador a “Independent SS Corp”.; em 1957 volta a mudar de nome para ANASSA e como proprietários a “Atalaya Cia Nav.SA”, sedeada no Panamá com bandeira da Libéria para em 1960 mantendo os mesmos donos chamar-se PRAXITELES, e finalmente em 1962 passar a ser o Dori.
Quando se afundou junto à costa de São Miguel, navegava dos Estados Unidos para a Europa com rolos de aço para o fabrico de automóveis. A cerca de 100 milhas de Ponta Delgada comunicou estar com água aberta e com várias avarias na estrutura, dirigindo-se a este porto para reparações. Mas a situação deteriorou-se muito rapidamente e quando chegou junto ao porto o afundamento era eminente. O Capitão do Porto da altura, o então capitão-tenente Emnanuel Riccou, que em 1975 viria a notabilizar-se nos acontecimentos posteriores à manifestação de 6 de Junho, determinou que o “Dori” fundeasse a cerca de uma milha da Igreja de São Roque, com a proa virada a sudoeste. Perante a gravidade da situação a tripulação e um grupo de cinco passageiros foi desembarcado e cerca das 13 horas o navio afundou-se, assentando no fundo de areia.
Segundo alguns registos, o “Dori” teria explodido mas segundo testemunhos que observaram o afundamento junto à Igreja de São Roque, aquilo que aparentava ser uma explosão com grossas colunas de água saindo pelas escotilhas dos porões, teria sido provocado pela repentina e violenta entrada de água nos porões, quando o navio bateu no fundo.
Cumpridas as formalidades legais, os seguradores entregaram ao empresário micaelense Alcino Alves dos Santos a empreitada de retirar a carga, operação que demorou algumas semanas utilizando uma grua flutuante e batelões que transportaram a carga para Ponta Delgada sendo reexpedida para o seu original destinatário. A tripulação foi repatriada, por avião a partir de Santa Maria para onde seguiu no navio “Cedros”, que então operava nas ligações inter-ilhas.
Os cinco passageiros também seguiram viagem de avião mas, por razões que até agora não se conseguiu apurar, foram mantidos, sempre, afastados da tripulação e mesmo isolados de contactos com a população da cidade.

Texto de Gustavo Moura, tendo como fontes consultadas vários capítulos da “Wilkipedia”, testemunhas presenciais e jornais da época e o blogue “Amigos do Calhau”.
Nuno Sá, mergulhador e fotógrafo profissional várias vezes premiado e um grande e confesso amante da vida subaquática açoriana é um dos grandes impulsionadores de um movimento lançado há alguns meses a esta parte, que pretende transformar a zona em que o Dori se encontra afundado, num santuário de mergulho. As razões são múltiplas: para além de ser um dos locais mais procurados pelos mergulhadores e de ser considerado “um dos melhores locais de mergulho de Portugal”, a vida marinha é rica e abundante.

Como e quando se começou a desenvolver a ideia de passar a santuário de mergulho a zona de afundamento do Dori?

A proposta partiu de mim e de uma conversa informal que tive com José Bettencourt que trabalhou no Faial na descoberta feita dos dentes de marfim e cachimbos de porcelana resultantes de um naufrágio encontrado na zona de ampliação do porto da Horta. Como me encontrava no local a tirar algumas imagens para a National Geographic, comecei a falar do Dori e da pena que tinha de que aquele local estivesse em situação quase de abandono. Nesta mesma altura eu estava a fazer um artigo sobre este afundamento para uma revista portuguesa de mergulho, uma vez que é a zona mais visitada, de naufrágio, nos Açores. Aliás, posso mesmo dizer que é o local de mergulho mais visitado dos Açores.
Depois de fazer alguma investigação sobre o naufrágio, apercebi-me que, realmente, tinha uma história bastante mais rica do que aquela que era divulgada pelos centros de mergulho.
Quando o Dori naufragou junto a São Roque, o navio já havia mudado várias vezes de bandeira e calculava-se que era um cargueiro nigeriano. Depois redescobri que era um barco da II Guerra Mundial, facto que havia caído no esquecimento dos centros de mergulho, e que este mesmo navio havia estado presente no desembarque das tropas aliadas na Normandia.
Tendo em conta que, afinal, aquele barco tinha um valor histórico muito maior do que aquele que pensávamos, falei com o José Bettencourt no sentido de ver como poderíamos lançar aquela zona num parque arqueológico subaquático, tal como existe na baía de Angra e que se encontra sob a alçada da Cultura.

E qual a situação actual desta vossa pretensão?

Criamos um blogue, tendo sido a iniciativa divulgada através de algumas revistas de mergulho nacionais e outros órgãos de comunicação social. Conseguimos a adesão de muitas entidades públicas e privadas, bem como de muitos particulares e fechámos o projecto há cerca de dois meses, sendo que a ideia passaria por entregá-lo na Cultura, integrando o futuro parque de São Miguel numa rede com o de Angra. No entanto, numa conversa que tive com o Director Regional do Turismo, ficou no ar a ideia de que esta talvez fosse uma iniciativa mais lógica através daquela área, uma vez que este local tem um enorme potencial para o turismo subaquático, no qual se gastam, a nível internacional e mundial, milhões de euros.
Se noutros pontos do globo se afundam, propositadamente, navios para criar zonas de mergulho, porque não aproveitar o que temos em São Miguel que aconteceu naturalmente, com um barco da II Guerra Mundial?
Acabámos, portanto, por entregar o projecto no Turismo, sendo que, em conjunto com a Direcção Regional da Cultura, o projecto poderá ser levado avante. Na DRAC foi considerado de grande interesse e agora aguarda-se que aquela zona seja considerada reserva.

A preservação deste património passa por que aspectos?

Por dois aspectos. A protecção da integridade da estrutura do naufrágio - que fruto de quase meio século de fundeamento de embarcações neste local, tanto por parte de embarcações locais de mergulho e pesca, como por grandes embarcações da marinha mercante que ancoram regularmente neste zona, tem contribuído para a sucessiva desintegração da sua estrutura e a preservação da vida marinha presente no local – Embora as espécies marinhas presentes neste local tenham pouco valor comercial como recurso pesqueiro, a sua exploração através do turismo subaquático representam um grande retorno financeiro para as empresas marítimo-turísticas locais. Este local é anualmente visitado por várias centenas de mergulhadores locais, Nacionais e estrangeiros. O facto de não existir nenhuma protecção deste local permite que embarcações de pesca desportiva e pesca submarina exerçam actividades predatórias que delapidam este importante recurso naquele que é o local de mergulho mais visitado dos Açores.

E em termos de medidas concretas?

No seguimento das regras de funcionamento do Parque Arqueológico Subaquático da Baía de Angra do Heroísmo, implementado pela Direcção Regional da Cultura na Ilha Terceira, pretende-se a adopção das seguintes medidas.
• Preservação da estrutura do Dori - Através da fixação de bóias de sinalização e amarração (idealmente uma à Popa e outra à Proa do naufrágio, de modo a permitir o acesso a dois circuitos alternativos bem como a presença simultânea de duas ou mais embarcações) pretende-se eliminar o factor de degradação causado pelo sucessivo lançamento de ferros para fundear embarcações neste local.
• Valorização e divulgação do património cultural subaquático – Contribuir, através da criação do Parque Arqueológico Subaquático, para que cada vez mais mergulhadores locais e estrangeiros tenham conhecimento e possam usufruir do património histórico que este naufrágio constitui, pelo papel que os Liberty Ships desempenharam durante a segunda guerra mundial e, em concreto, pelo papel desempenhado pelo Dori no desembarque de tropas aliadas nas praias da Normandia.
• Conservação da vida marinha criada neste recife artificial – Embora a riqueza e biodiversidade de espécies marinhas concentradas neste local de reduzidas dimensões não representem nenhum tipo de recurso pesqueiro de importância, a protecção e preservação destas espécies neste local é de grande interesse e importância para as várias empresas de mergulho recreativo que visitam com grande regularidade este local. Sendo este um local de mergulho apontado como o mais visitado dos Açores, seria de grande interesse a protecção deste local contra actividades predatórias. Esta medida permitirá a conservação da vida marinha aí existente, e a criação de condições para que novas espécies com interesse para o turismo subaquático possam habitar este local, como por exemplo o Mero, espécie emblemática do mergulho nos Açores.

No próximo Verão, tudo já estará regulamentado no sentido de disponibilizar a zona ao mergulho de uma forma mais completa?

Penso que sim. Quer do Turismo quer da Cultura houve grande abertura neste sentido e como tal estou esperançado que assim aconteça.
Esta iniciativa conta com o apoio técnico do arqueólogo subaquático José Bettencourt e a subscrição da APDM (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento do Mergulho) / Fórum de Mergulho, FPAS (Federação Portuguesa de Actividades Subaquáticas), Revista Portugal Dive, Revista Planeta D’água e Associação dos Amigos do Mergulho dos Açores.

Fonte da Foto: AMIGOS DO DORI
Já realizou muitos mergulhos naquela área?

Dezenas. Aliás é o local onde mais mergulho. É um local com uma vida marinha acima da média pois estamos a falar de um recife natural, rodeado de um fundo de areia enorme. Na estrutura afundada foram, com o passar dos anos crescendo microorganismos, fazendo uma cadeia alimentar inteira e que hoje possui tudo o que há de espécies marinhas normais do fundo marinho mas com uma quantidade maior.

E em termos de protecção. Tem havido algum tipo de violação do espaço e da vida marinha que ali existe?
O problema é que, sendo o local de mergulho mais visitado dos Açores, não é compatível com o haver de actividades predatórias, nomeadamente caça submarina ou pesca profissional, comercial ou seja o que for. A título de exemplo posso referir que a espécie de peixe mais procurada pelos mergulhadores é o Mero, um peixe extremamente amigável e que pode chegar a um metro de comprimento. Há já alguns anos que tínhamos um mero no Dori, único e que nunca havia sido pescado e que era visitado por todos os mergulhadores que ali iam.
Infelizmente, há pouco tempo, houve pescadores que colocaram cofres na zona do Dori e o mero que ali existia, encontrava-se preso numa destas armadilhas já sem vida. Um dos mergulhadores, Ricardo Cordeiro, fez um vídeo sobre esta situação e colocou-o no YouTube, com dados que reflectem que se trata de um animal que tem um valor comercial muito baixo, comparativamente com o valor e a riqueza deixada, na Região, pelos milhares de mergulhadores que visitam o local, nomeadamente através das agências de mergulho locais.

Autor: Ana Coelho

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