As emoções traduzem-se em sensações no corpo que são iguais para as diferentes culturas, mostra um estudo que elaborou mapas corporais de 13 emoções distintas. Este trabalho pode ajudar a detectar problemas psicológicos.
O filme O Cavalo de Turim, do realizador húngaro Béla Tarr, arranca com um narrador a contar uma história profética sobre Friedrich Nietzsche. Segundo relatos, o filósofo alemão saiu para a rua da cidade italiana, num dia de Janeiro de 1889, e viu, ao longe, um cavalo que se recusava a andar, a ser chicoteado por um homem numa carroça. Nietzsche não aguentou e insurgiu-se com a cena, impedindo a violência, abraçando o animal, chorando. Béla Tarr escolheu no seu filme seguir aquele cavalo, a caminho da escuridão. Mas é Friedrich Nietzsche quem fica caído numa rua de Turim, iniciando a última década da sua vida, dez anos de loucura, depressão e ausência.
Se o filósofo nos pudesse descrever o que sentiu no corpo, quando estava caído, era provável que nos falasse de um nó na garganta, um aperto no peito, uma tensão na região dos olhos e de sentir os braços e pernas frios, distantes. A descrição pode traduzir o mapa corporal das sensações associado à tristeza. Este é um de vários mapas corporais das emoções, definidos por uma equipa de investigadores da Finlândia num trabalho em que defendem que estes padrões são universais, ultrapassando fronteiras geográficas e culturais, e deverão ter uma raiz biológica, explica-se no artigo publicado nesta segunda-feira na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
“Muitas vezes sentimos as emoções directamente no corpo”, lê-se no artigo. Um exemplo clássico, também referido no artigo, é o formigueiro no estômago associado ao início sempre surpreendente do amor.
A equipa que fez a investigação, da Universidade da Tampere, na Finlândia, começou por estudar as regiões do corpo que ficavam mais activadas ou desactivadas quando as pessoas sentiam 13 emoções: raiva, medo, nojo, felicidade, tristeza, surpresa, ansiedade, amor, depressão, desprezo, orgulho, vergonha, inveja.
Para isso, os investigadores pediram primeiro a um grupo de 390 pessoas para fazerem um jogo simples. Num programa de computador, os participantes liam a palavra correspondente a uma emoção para depois pintarem num corpo desenhado as regiões que sentiam ficar mais activadas e aquelas que sentiam ficar menos activadas durante essa emoção. Esta primeira experiência foi feita em finlandeses, suecos e tailandeses para verificar se a linguagem tinha influência e se havia diferenças culturais nas sensações no corpo.
Depois, a equipa quis perceber se as sensações pintadas no corpo estavam influenciadas por uma questão conceptual. Ou seja, testaram se o resultado obtido nos mapas traduzia uma ideia racionalizada de cada participante sobre o que se deveria sentir no corpo quando se estava com raiva ou feliz, ou se era efectivamente aquilo que os participantes estavam a sentir. Nesta segunda experiência, feita a 108 pessoas, os investigadores pediram aos participantes para descrever o que sentiam no corpo quando liam frases associadas a emoções, mas que não tinham lá a palavra referente a cada emoção. Para suscitar felicidade, uma das frases era: “É um belo dia de Verão. Está a guiar um descapotável em direcção à praia com os seus amigos e há música a sair das colunas.” Já na tristeza, a frase podia ser: “Numa visita ao hospital, vê uma criança que está a morrer e que quase não consegue manter os olhos abertos.”
Raiz biológica para sete emoções básicas
Os resultados deste conjunto de experiências foram consistentes. Os investigadores conseguiram criar, para cada uma das emoções enumeradas em cima, um mapa semelhante com a activação e a desactivação das regiões do corpo humano, independentemente da nacionalidade ou da forma como a emoção foi suscitada. “Estes resultados dão um novo conhecimento sobre como as emoções estão representadas no corpo e não só na mente”, diz ao PÚBLICO Laurie Nummenmaa, uma das autoras do trabalho.
Os mapas mostram que cada uma das 13 emoções tem um mapa corporal diferente, que se repete em cada cultura. “Como as diferentes emoções parecem ter uma base corporal diferente (que é consistente nas várias culturas), isto sugere que as emoções básicas [raiva, medo, nojo, felicidade, tristeza e surpresa, as outras sete já são ‘emoções complexas’] testadas neste estudo podem ter uma raiz biológica e uma base evolutiva.”
A activação e a desactivação de que o estudo fala podem reflectir vários fenómenos fisiológicos de acordo com a emoção. “Pedimos apenas às pessoas que nos relatassem como se sentiam, por isso os resultados reflectem diferentes tipos de respostas fisiológicas que estão a acontecer. Desse ponto de vista, os mapas provavelmente são uma mistura de diferentes tipos de actividade esqueleto-muscular, visceral e do sistema nervoso autónomo”, interpreta a cientista.
No artigo, os cientistas descrevem estes mapas mais pormenorizadamente. Na maioria das emoções básicas, há uma “actividade elevada” na área do peito, associada ao aumento de respiração e do ritmo cardíaco. Há também muitas sensações na região da cabeça, “que provavelmente reflectem tanto mudanças fisiológicas na cara [a contracção dos músculos, o aumento da temperatura quando se cora ou a produção de lágrimas] como mudanças sentidas na mente provocadas por acontecimentos emocionais”, lê-se no artigo. Já a região do estômago aparece activa quando as pessoas sentem nojo.
A actividade nos membros está aumentada em emoções associadas à acção como a felicidade ou a raiva. Em contraste, algumas das característica que definem a tristeza são as pernas os braços adormecidos. “As emoções podem promover o bem-estar preparando-nos tanto para a acção, ao aumentar a activação como acontece na raiva, como protegendo os nossos recursos corporais e sociais, ao diminuir a activação como acontece na tristeza”, defende Laurie Nummenmaa.
Um dos próximos objectivos da equipa é tentar relacionar estes mapas com os fenómenos fisiológicos que realmente estão a ocorrer em cada região do corpo e de uma forma exaustiva. Uma medição directa desta “activação e desactivação” corporal será difícil de se obter, explica a investigadora. “Em princípio, poderíamos medir a velocidade do sangue com uma perfusão e uma tomografia por emissão de positrões, ou obter imagens corporais de temperatura para detectar diferenças fisiológicas durante a activação [das regiões do corpo]. Que eu saiba, ninguém tentou fazê-lo antes devido a dificuldades técnicas.” A equipa quer ainda caracterizar como é que crianças de diferentes idades sentem as emoções no seu corpo.
Estes mapas obtidos poderão ser ainda utilizados como instrumentos ou “marcadores corporais” para a saúde psicológica. Desta forma, poderão ajudar a inferir estados emocionais das pessoas quando estão com problemas psicológicos, sugere Laurie Nummenmaa. Nas doenças mentais, as respostas emocionais e as sensações corporais podem estar alteradas. Por exemplo, a ansiedade fica exacerbada, provocando dores no peito e fazendo suar as palmas das mãos.
“Medir as sensações corporais, sem ter havido estímulos emocionais prévios, pode ser uma nova forma de detecção de uma alteração nos processos emocionais de alguém. Em alternativa, é possível que as sensações corporais associadas, por exemplo, à tristeza, estejam marcadamente alteradas no caso de uma depressão, o que seria mais um indício para se detectar esse problema”, explica a investigadora.
Para Laurie Nummenmaa é “fascinante a ligação directa” entre o que se passa na mente, quando se está a viver uma emoção, e a reacção do corpo a essa emoção. O que originou aquele momento em que Nietzsche abraça o cavalo, um momento tão marcante que levou Béla Tarr a realizar O Cavalo de Turim. Mas a imagem com que ficamos da descrição do comportamento do filósofo é facilmente reconhecível, já que o mapa corporal da tristeza extrema é universal.
Fonte: Publico
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