terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Facebook: Dez anos a influenciar o mundo de dez maneiras

Facebook: Dez anos a influenciar o mundo de dez maneiras

Por ali convocamos manifestações, lemos notícias, fazemos negócio, seduzimos e somos seduzidos, conversamos com amigos e revelamos a última diabrura do Pantufa. A 4 de fevereiro de 2004, as nossas vidas começaram a mudar

Luís Ribeiro (texto publicado na VISÃO 1091, de 30 de janeiro)

Hi5, MySpace, Friendster. Todos se digladiavam pela liderança, no novíssimo universo das redes sociais digitais. E então, em 2004, Mark Zuckerberg lançou um site chamado thefacebook.com. Dizer que obliterou a concorrência é pouco - seis anos depois, o Facebook (entretanto subtraído do irritante "the") ultrapassava o omnipotente Google em número de visitas diárias.

A genial simplicidade da ideia - utilizadores ligam-se uns aos outros e partilham textos, fotos e links - está na base do seu sucesso. "O Facebook agrupou com muito sucesso o que queremos saber uns dos outros", explica Pedro Oliveira, diretor da Exame Informática. "Foi bem desenhado, de forma a perceber o que podia juntar as pessoas."

Muitos tentaram derrubá-lo, incluindo o Google (com um tal de Google +). Twitter e Instagram consolidaram-se, mas não beliscaram o gigante, servindo-lhe mais de complemento. Aqui e ali, surge um obituário antecipado do Facebook: ora é uma estatística a anunciar a fuga dos adolescentes, fartos de se cruzarem com os pais, ora é um estudo da Universidade de Princeton que partiu de um modelo epidemiológico para calcular que a rede social perderá 80% dos utilizadores até 2017 (técnicos do Facebook responderam, usando a mesma fórmula para demonstrar que Princeton não terá alunos em 2021). Mas as notícias da sua morte serão certamente exageradas. "No último ano, perdeu fôlego, sobretudo entre os adolescentes. Mas não acredito que desapareça", diz Pedro Oliveira. Mesmo assim, o Facebook lá vai esmagando com a força dos números: entrou em 2014 com 1,2 mil milhões de utilizadores.

Não é, no entanto, o que as pessoas fazem pela rede social que importa, mas sim o que a rede social faz pelas pessoas. Nos últimos anos, alimentou revoluções, como a da Primavera Árabe; proporcionou encontros e reencontros; construiu paixões e destruiu casamentos (muitas vezes, ao mesmo tempo). Mesmo para quem, orgulhosamente, se recusa a fazer parte da tribo, é inegável que há um tempo antes do Facebook e um tempo depois do Facebook. Na semana do décimo aniversário da rede, a VISÃO apresenta-lhe dez factos que comprovam o quanto as nossas vidas mudaram.

(Nota: Provavelmente, a vida que mais se alterou com o Facebook foi a do próprio fundador. Três anos depois da fundação da rede social, a fortuna de Zuckerberg ultrapassava a marca dos mil milhões de dólares. Hoje, aproxima-se dos 20 mil milhões - praticamente dez por cento do PIB português.)

1. Reinstalou-nos numa aldeia

A sociedade urbana - fria, distante, impessoal - foi diluída pelo Facebook. O diz-que-disse sobre este e aquele já não nos é soprado por terceiros, mas pelos próprios, e com pormenores de fazer inveja ao maior mexeriqueiro das redondezas. Todos parecem viver na casa ao lado, e de janela escancarada à nossa frente. Sabemos o que os nossos conhecidos (alguém tem realmente centenas de amigos?) estão a fazer, a ler, a ouvir, a comer e a beber, onde estão e com quem estão. Que têm um buldogue, trabalham nos correios do Fogueteiro, vão de férias para São Martinho do Porto e que o seu "estado civil", com quem quer que seja, "é complicado". Conhecemos-lhes os filhos: vemos as fotos do nascimento e os vídeos dos primeiros passos do rebento. Em poucos segundos, conseguimos descobrir os gostos musicais, a escola que frequentou e as fotos em biquíni até de quem não faz parte do nosso círculo digital. Quer queiramos quer não, vemos o menos fotogénico dos nossos colegas a correr uma meia maratona de calções de licra e camisola de alças. Não nos esquecemos de dar os parabéns a pessoas que nunca soubemos (nem quisemos saber) quando faz anos. E a qualquer momento alguém pode meter conversa connosco, mesmo que não nos apeteça. O que nos leva a outra mudança...

2. O Facebook alterou a forma como comunicamos. Para o bem e para o mal

Estamos, ou podemos estar, sempre disponíveis para uma conversa. Mais: os nossos amigos conseguem ver se nos encontramos online (o que obrigou à criação da já clássica desculpa "saí e deixei o Facebook aberto!"). Mais ainda: até percebem se estamos sentados à frente do computador ou a mexer no smartphone. É verdade que infinitos programas de chat fazem o mesmo desde meados da década de 1990. Mas, ao contrário do Facebook, onde os utilizadores se passeiam virtualmente, ninguém "está" num chat se não for para conversar. Ao integrar um serviço de mensagens no seu espaço, o Facebook tornou os Messengers desta vida redundantes e obsoletos (o famoso Messenger da Microsoft, por sinal, foi descontinuado no ano passado). O próprio email pode estar em declínio: um dos cofundadores do Facebook já lhe vaticinou a morte. E as garras facebookianas estendem-se para lá da internet, com a rede social a ser uma das responsáveis pelo phubbing, o crescente hábito antissocial de mexer no telemóvel durante jantares com amigos (e quantas vezes, ironicamente, para publicar uma foto do jantar em causa). A interatividade que se perde no mundo real sobra no virtual, com os constantes, e irritantes, convites para jogar, em comunidade, Pudding Pop, Disney Hidden Worlds e o famigerado Candy Crash. Muitas vezes, uma coisa leva à outra, e as convivências online resultam em situações bem sérias: novas fidelidades e consequentes infidelidades.

3. Deu-nos uma nova forma de sedução - e uma nova causa de divórcio

Uma rede social dinâmica, que facilita novos conhecimentos e a redescoberta de antigos, promove a comunicação e permite a partilha de fotos será sempre uma incubadora de paixões. E o Facebook cumpre esse papel melhor do que qualquer outro na história da era digital. Incontáveis relações nascem diariamente a partir daqui, e (quase) tantas outras morrem. Não é fácil calcular o número de casais separados por causa de relações extraconjugais propiciadas pela rede social (estimativas de escritórios de advogados americanos apontam para um quinto a um terço do total de divórcios). Mas um estudo da Universidade de Missouri, publicado em junho do ano passado, conclui que os utilizadores intensivos do Facebook são muitíssimo mais propensos a conflitos conjugais, traições, separações e divórcios. Russel Clayton, autor da investigação, aconselha mesmo os casais (sobretudo os mais recentes) a moderarem o uso da rede. Mas se o Facebook pode ser um papão para o relacionamento amoroso oficial, é fantástico para todos os outros, pois então...

4. Reaproximou familiares e velhos amigos

Começamos pelo antigo colega de trabalho. Depois, o da universidade. Entretanto, redescobrimos aquele da escola secundária que julgávamos perdido no mundo da droga. Recuamos até ao miúdo das orelhas grandes que fazia os outros rir na primária. Espreitamos os amigos deles e encontramos mais um, e outro, e ainda outro. Antes de darmos conta, já temos toda a nossa vida passada concentrada no Facebook. Marcamos uns divertidos jantares de grupo e repetimos a experiência uma ou duas vezes. Mesmo depois de esgotadas as recordações dos bons velhos tempos e percebermos que já não nos rimos das mesmas anedotas, mantemos o contacto, quanto mais não seja através de uns "gostos" e um comentário no mural alheio. Também familiares, menos ou mais afastados, emigrados ou de quem não nada soubemos durante anos, passam a estar próximos - o que é particularmente importante em casos de orfandade social (a Casa Pia tem várias histórias de jovens que redescobriram os pais e os irmãos). E até as celebridades ficam ao nosso alcance. Ou ficamos nós ao alcance delas?

5. Proporcionou às figuras públicas e às empresas um meio de comunicação privilegiado

Quando quer dizer alguma coisa, Cristiano Ronaldo (ou alguém mandatado por ele) fala diretamente com 72 milhões de pessoas - os seus fãs no Facebook. Pedro Passos Coelho, que ainda assim tem apenas 5% da popularidade da namorada do futebolista, pode dirigir-se sem filtros a 128 mil portugueses, evitando perguntas incómodas de jornalistas. Seja por razões políticas, pessoais ou comerciais (uma foto de Cristiano no seu mural vale uma pequena fortuna para os seus patrocinadores), a rede social é um palco valioso. Pode ser-se famoso, mas quem não existe no Facebook, não existe. E o mesmo vale para as empresas. "As que têm uma presença bem estabelecida contam com maior retorno nas vendas", garante Igor Van Krieken, sócio da Triciclo, uma firma de gestão de redes sociais e marketing digital. "O Facebook dá-lhes uma maior proximidade com as pessoas. Comunicam em tempo real com os seus potenciais clientes e têm um feedback imediato." Este contacto direto é ainda mais precioso para os micronegócios, o que nos leva a outro assunto...

6. O Facebook deu-nos um segundo (e às vezes primeiro) rendimento

Quem não tem um amigo ou amiga na sua rede que faz bolos? Ou bolachas? Ou compotas? Ou empadas? Ou bijutaria? Ou roupa? Em tempo de crise, são cada vez mais os portugueses que, através do Facebook, dão uso às suas capacidades manuais e assim encontram um complemento para os seus rendimentos - fenómeno multiplicado pela necessidade. E alguns conseguem dar o salto, transformando o passatempo num negócio a tempo inteiro. "Não tendo uma loja física, o Facebook foi fulcral para mim", diz Susana Cavaco, criadora da página A minha tarte de amêndoa, que conta com mais de 1 500 "gostos". Hoje, a empresária, que já vive exclusivamente do negócio iniciado na rede social, também vende e publicita os seus doces em feiras, mas o Facebook continua a ser fundamental. Um site tradicional não teria o mesmo efeito, assegura: "Ali, as pessoas interagem, comentam, passam a palavra." O melhor que pode acontecer a uma empresa é tornar-se viral. E o pior também.

7. Multiplicou-nos vilões para odiarmos. E heróis para admirarmos

Antes do jogo decisivo de apuramento para o Mundial de Futebol, a Pepsi sueca decidiu publicar na sua página de Facebook a imagem de um boneco equipado como Cristiano Ronaldo, amarrado a uma linha de comboio, acompanhada da frase "Vamos passar por cima de Portugal". Toda a gente se lembra do resultado: o País indignou-se, a página nacional da companhia encheu-se de insultos, milhares prometeram nunca mais sequer cheirar um copo de Pepsi e a empresa, para controlar os danos, teve de se desdobrar em desculpas e ajudar a patrocinar um projeto de solidariedade escolhido pelo jogador. Outro caso viral de uma campanha publicitária desastrosa foi a famosa "Mala da Pepa", embora nesse caso a pobre da blogger tenha sofrido mais do que a marca. "O Facebook é um amplificador. Qualquer coisa que aparece ganha logo uma grande dimensão", avisa Pedro Oliveira, diretor da Exame Informática. Nem tudo é negativo. Tão comuns como os vilões nascidos no Facebook são os heróis virais - do médico neozelandês que, no sábado, 25, se defendeu de um tubarão e coseu a própria perna mordida, aos casos de pessoas que lutam contra doenças graves e precisam de ajuda. Quando alguém partilha o caso, a notícia atinge milhares. Já que estamos a falar de notícias...

8. O Facebook mudou o modo como nos inteiramos do que se passa no mundo

No início, os meios de comunicação social não perceberam as potencialidades das redes sociais. Havia quem não as levasse a sério; outros descortinaram uma ameaça ao jornalismo - temia-se que os cidadãos anónimos passassem a controlar (e assim descontrolassem) a disseminação de informação. Com o tempo, os media acordaram para a realidade: o Facebook é um instrumento ímpar para ampliar o número de leitores e os jornalistas serão sempre fundamentais para garantir o rigor e a verdade. "Por causa do Facebook, duplicámos as visitas, passando de um milhão para dois milhões por mês", recorda Manuel Barros Moura, editor da Visão Online, um dos principais sites de notícias do País. Com a aposta dos meios de comunicação na rede, uma enorme fatia de utilizadores passou a alimentar aqui o seu apetite por informação, sem precisarem de procurá-la ativamente. A informação acontece-lhes. Pelo Facebook sabemos o que se passa - e pelo Facebook mudamos o que se passa.

9. Revolucionou a forma de fazer... revoluções

A informação é tudo. Por alguma razão a censura de Estado é a primeira medida de qualquer ditadura que se preze. Quando ela circula e é partilhada livremente, pode provocar ondas sociais. Em Portugal, a maior prova de força do Facebook aconteceu a 15 de setembro de 2012 - uma manifestação contra as políticas do Governo, convocada online por uma dúzia de cidadãos, transformou-se no maior protesto em Portugal desde o 1.º de maio de 1974. Nunca nenhum partido ou central sindical conseguiu alguma vez mobilizar meio milhão de pessoas em Lisboa, como a rede social fez naquele dia. Além disso, os protestos espoletados virtualmente resultaram num muito real recuo das alterações à taxa social única. Mas até este episódio histórico se apouca comparado com outro: a Primavera Árabe. Uma página de Facebook egípcia a apelar a uma greve foi a chama primordial, que alastrou pela Praça Tahir, no Cairo, contra Mubarak, e daí para outras ditaduras do Norte de África e Médio Oriente. Regimes acabaram derrubados e uma guerra civil interminável começou na Síria. Mas há quem nunca perceberá todo este poder facebookiano.

10. Presenteou-nos com um novo grupo de gente para discriminar: quem não tem no Facebook.

Neste momento, só há dois tipos de pessoas: as que têm Facebook e as que, não tendo, o odeiam. Talvez também haja gente para quem as redes sociais não aquecem nem arrefecem. Mas como saber o que elas pensam, se não estão no Facebook?




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